Histórias de Amor entre Garotos e Garotas

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As excêntricas mecânicas do mangá romântico japonês.

Eu gosto para caralho de Love Hina. É o meu mangá favorito.

É sério. Gostei tanto do mangá que considerei, por uns tempos, a Narusegawa como exemplo perfeito de garota ideal. Praticamente, afundei no gênero de comédias românticas shounen na época. Devo ter lido apenas mangás do gênero por meses. Não apenas dos shounens no qual eu, de certa forma, me encaixava no público-alvo, mas Shoujos também de tanto que havia passado a gostar dos romances japas.

Ainda que essa fase tenha passado e hoje eu leia mangás de diversos gêneros, os resquícios dessa época ainda se fazem presente no meu gosto. Mesmo que eu tenha lido coisas espetaculares como Hoshi no Samidare e Dorohedoro, Love Hina ainda é o meu mangá favorito. Pretendo fazer uma review do mangá num futuro próximos tentando explicar essa bizarrice.

É possível ver esse texto como uma espécie de introdução para essa futura review. Acredito que vale a pena explorar os personagens, os clichês, a estrutura, enfim, os elementos comuns desse tipo de mangá e analisar por que ele estão lá antes de ir a fundo em um deles.

Dentre as motivações, a principal é destrinchar o que a superusada palavra ideal, de fato, significa nesses mangás, como ela afeta esses elementos e como isso apela aos desejos e intenções do leitor comum desse gênero.

Isso também dá margem a usar essa análise como auxílio no entendimento de elementos como moe, yaoi e outros tipos de fanservice polêmicos, então espere que eu faça referências a esse texto em futuros outros textos mesmo que ele esteja enterrado no fundo dos arquivos do blog.

Acho que a crítica mais comum feita a esse tipo de título é que eles são idealizados demais. As situações apresentadas neles são muito pouco realistas e vão demais ao encontro dos desejos dos leitores com o possível efeito prejudicial de afastá-los da realidade. O leitor se projeta no protagonista, então ele quer que o seu futuro namorado(a), como também o namoro em si, seja incrível. Tanto as “heroínas” dos mangás shounen quanto os “príncipes encantados” dos mangás shoujo não correspondem em nada aos homens e mulheres encontrados na vida real. De certa forma, são aberrações moldadas pelos interesses do leitor.

Essa ideia não está errada, mas está incompleta e é também muito simplista. “Idealizados” está aplicado de forma ligeiramente fora do seu significado nesse caso. Para ter uma noção do que o termo realmente quer dizer, é necessário se livrar da ideia de que ideal é a mesma coisa que desejado ou irreal. Conveniente é um melhor sinônimo em geral. E, em alguns casos, simplificado também é um bom substituto.

Ideal, quando usado como termo científico, implica em simplificações. Geralmente, na forma da desconsideração de alguns efeitos que dificultariam a análise de um fenômeno. Na Balística, a ciência que estuda a trajetória de projéteis em movimento no espaço, por exemplo, desconsidera-se o efeito do vento (como ele altera as trajetórias) nos projéteis. Essa premissa diminui a complexidade do problema e facilita o estudo. O possível efeito colateral é que, se o efeito desconsiderado não for desprezível, o resultado da análise pode se diferenciar muito do que acontece na realidade.

É o que, de certa maneira, ocorre nos mangás de romance. Algumas coisas inconvenientes são desconsideradas. Isso é feito com o objetivo de fazer a história de romance apresentada no título parecer possível. É muito interessante para esse tipo de mangá mostrar que os eventos nele apresentados possam ser reproduzidos no mundo real. Melhora a imersão do leitor na obra. Esse é um dos motivos para que as heroínas (ou príncipes encantados) não sejam “perfeitas”. Afinal, nada perfeito existe.

Nem tudo são apenas simplificações. O comportamento Tsundere perceptível em alguma das heroínas é algo que não existe na vida real e é acrescentado a algumas personagens desse tipo de mangá, mas perceba que isso não é algo desejado pelo leitor (alguém quer namorar uma neurótica bipolar?), mas que, na verdade, é algo conveniente. O comportamento Tsundere confere algumas características interessantes a heroína. Sendo sucinto (e isso será melhor explicado adiante), permite interações protagonista-heroína pré-conquista sem que elas pareçam estranhas.

É claro que a heroína ainda tem que ser bonita, pura, simpática (pelo menos em alguns momentos) e fiel. O mesmo vale para os príncipes encantados. No entanto, isso tudo também tem que parecer possível.

Simplificações ainda são a maneira de fazer isso que é mais vista no gênero. É muito mais fácil fazer algo ser convincente sumindo com coisas que não fazem falta do que acrescentando coisas convenientes. Ponha na cabeça: A imersão do leitor é tudo nesse tipo de mangá.

 As Premissas

Ponha na cabeça outras quatro coisas também. São premissas da minha análise. Vou construir as minhas ideias em cima delas. Interpretarei minhas observações dos mangás as usando.

As duas primeiras premissas são coisas que eu peço que considere verdades incontestáveis (por que tanto a minha análise quanto os mangás analisados também consideram). Uma terceira premissa é contestável para alguns casos, mas no geral não é. A análise mais a frente vai reiterá-la para a maioria dos casos. A quarta e última premissa é uma limitação da análise (tem mangás de romance que por um determinado motivo não se encaixam nas teorias apresentadas no texto).

1) A primeira é algo que poderia ser chamado de “princípio da isolação”. Esse princípio também tem a sua versão alternativa que eu chamaria de “princípio do lixão”. Os dois tem mais ou menos a mesma função e funcionam de maneira parecida. Ás vezes, só um deles é usado, às vezes, ambos.

O princípio da isolação dita o seguinte: “Em um ambiente isolado, aonde apenas exista um homem e uma mulher sexualmente aptos, o homem e a mulher eventualmente se tornarão amantes. É natural que isso ocorra já que nenhum dos dois é capaz de interagir com outros homens e mulheres sexualmente aptos.” O princípio do lixão é parecido: “Em um ambiente aonde existam muitos homens e mulheres sexualmente aptos, mas que exista apenas um casal que se destaque positivamente por suas características sexualmente importantes (aparência, personalidade, índole, etc), é natural que o homem e mulher que formam este casal venham a se tornar amantes.” O nome lixão vem do fato que tirando o casal o resto dos homens e mulheres é lixo.

Entenda, eu mesmo não acho que estes dois princípios sejam incontestáveis. Pandas, por exemplo, tem um processo de acasalamento bizarro: Se você por uma fêmea e um macho dentro de uma jaula, existe a chance considerável de que eles não copulem. Guepardos são assim também, o ritual da corte dos bichos envolve corridas longas pela savana, e, se eles não correm, eles simplesmente não acasalam. Rituais da corte mais complexos tendem a selecionar melhor os genes que irão para a próxima geração propondo testes mais severos para o macho e para fêmea afim de escolher os melhores indivíduos.

O princípio do lixão também pode ser contestado alegando a natureza aleatória do amor. Se o amor realmente for aleatório, é bem possível que a mulher namore um “lixo”. O mesmo vale para o homem que poderia namorar uma “lixo”.

Ainda sim, peço que vejam esses princípios como obviedades porque os mangás analisados assim os veem. Na minha opinião, a aplicação dos dois princípios a mangás de romance é genial. Só com eles, boa parte das histórias se tornam convincentes. Torna-se natural que os relacionamentos amorosos desses mangás aconteçam, mesmo que no mundo real eles sejam improváveis.

 2) “Um homem (que é o elemento ativo) pode se apaixonar por múltiplas mulheres ao mesmo tempo, uma mulher (que é o elemento passivo), no entanto, só se apaixona por um único homem.”

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Isso vem da cultura que vê o homem como um “caçador” e a mulher como uma “julgadora”. O homem “experimenta” múltiplas mulheres diferentes afim de achar a ideal, ou seja, o homem tem um papel ativo dentro do ritual da corte. A mulher por sua vez julga o homem que a corteja afim de verificar se ele é um homem apto a se tornar seu amante, logo a mulher tem um papel passivo já que não precisa correr atrás.

Por causa de reminiscências dessa cultura, homens que tem relacionamentos com múltiplas mulheres são bem vistos, já que eles são “bons caçadores” e muitas mulheres o consideram bom o suficiente para se deixar serem caçadas. Mulheres, por sua vez, que namoram múltiplos homens são mal vistas já que supostamente elas são “péssimas julgadoras” já que qualquer homem passa pelo seu julgamento.

Mesmo que isso talvez encontre semelhanças com os comportamentos humanos pré-civilização (quando nós éramos muito mais animais do que homens), não quer dizer muita coisa hoje. Com a igualdade de sexos, mulheres podem muito bem caçar enquanto que homens podem julgar. O relacionamento amoroso hoje em dia não tem necessariamente a finalidade de gerar prole, ou seja, essas mecânicas complexas de acasalamento acabam por perder o sentido.

Porém, na cultura, principalmente na japonesa, que é conservadora pacas, isso ainda é muito encontrado.

Antes de ir para a próxima premissa, é interessante dizer que esse princípio possui algumas exceções quando se lida com shoujo. Mulheres podem ser mais ativas do que o nível normal que a cultura impõe, enquanto que os homens presentes nesses mangás não se apaixonam por mais de uma garota ao mesmo tempo.

 3) “Uma legítima comédia romântica shoujo/shounen trabalha com conquistas, não, necessariamente, com relacionamentos.”

LoveComs (e eu vou usar esse termo agora ao invés de “comédia romântica shounen/shoujo” porque estou cansado de escrever esse trambolho) são histórias de como chegar lá e não de como estar lá. Lidam com conquistas, com o começo, desenvolvimento e consumação do amor entre dois pombinhos. Não com os desafios e dificuldades de um relacionamento já estabelecido.

Por quê? Simples! Porque o público alvo desses mangás geralmente não está lá, mas quer chegar lá. Imersão, se lembra?

É por isso que mangás bem mais focados em fanservice e comédia como To Love Ru e Golden Boy não se encaixam na (minha) definição de LoveCom. Eles não se importam com a conquista. O amor serve como um plano de fundo para as situações hormonais e piadas. O mesmo vale para mangás que contenham romance como um elemento secundário como Ga-Rei e Magico.

Ou em títulos que apresentam o amor com uma abordagem completamente diferente como Toradora!, Angel Beats e Living Game. Geralmente animes e light novels se encaixam nessa parte, por isso eu faço muito mais referência a mangás nesse texto.

4) Essa análise perde confiabilidade ao passo que se volta no tempo. Títulos mais antigos como Video Girl Ai, Orange Road, Ranma ½, e outras bizarrices ancestrais, pertencem a um tempo em que (1) essa estrutura e essas mecânicas não estavam desenvolvidas e (2) não eram necessárias. Esses elementos se encaixam como uma luva a protagonistas passivos que são uma tendência que surgiu nos anos 90.

Os Protagonistas

Os protagonistas de LoveComs, tanto de shoujos como de shounens, podem ser resumidos em uma frase: “Típico ‘espécime’ do público-alvo do título que se encontra numa situação levemente pior e que tem características sutilmente diferentes.”

IMG KNTTípico espécime: Novamente a razão é a imersão. É muito mais fácil para um garoto comum japonês se identificar com um palerma como o Keitarou de Love Hina do que com um garanhão conquistador. O leitor quer que a história seja possível com alguém como ele no centro de tudo. O mesmo vale para os garotas protagonistas do shoujo. Elas não são mulherões arrasa quarteirão a ponto de fazer pedreiros usarem suas melhores cantadas quando elas passam graciosamente pela frente de alguma obra. Elas são meninas japonesas comuns (“palermas” do seu próprio jeito).

Levemente piores: Keitarou, de Love Hina, não falou com nenhuma garota até os seus 21 anos. Isso é absurdo, mas que acaba por pôr o protagonista numa situação amorosa pior que a do leitor. Os leitores japas provavelmente não conversam muito com garotas por causa de coisas como timidez e falta de ação, mas ver alguém pior do que ele tendo sucesso amoroso os tranquiliza. É um misto de “Ei, eu não estou tão mal assim.” e “Nossa, se até ele consegue, é bem possível que aconteça comigo”. O mesmo é visto com protagonistas de shoujos. A Sawako, de Kimi ni Todoke, no começo do título do qual pertence, só não tem nenhum relacionamento com garotos, como também não tem relações nem mesmo com meninas (não tem amigas), além disso, por causa do seu cabelo, ela parece com a Sadako (equivalente a nossa Samara), o que assusta qualquer um e frusta suas tentativas de começar um relacionamento. Esse problema é bizarro, mas põe a Sawako numa situação de fracasso social ainda pior do que a da leitora comum. Obviamente, não se pode exagerar nesse recurso correndo o risco dos acontecimentos do mangás não serem mais críveis ou do protagonista acabar ficando muito diferente do leitor.

Sutilmente diferentes: Keitarou, de Love Hina, no primeiro capítulo do mangá, quase se masturba pensando na Kitsune, uma das inquilinas do Hinata Inn (lugar onde a história se passa). Depois desse episódio, nunca mais ele faz isso. Keitarou não se consola mais mesmo cercado de garotas lindas no seu harém (e não pegando nenhuma delas, o que, na minha opinião, deixaria qualquer homem louco). O Keitarou também nunca tenta nada mais agressivo. Ele só não força as garotas a fazerem nada, como não aproveita a maioria das oportunidades que a sorte o presenteia (imagine que ele ficou nu junto com uma garota que queria que ele avançasse e ele não avançou).

A resposta para essas bizarrices reside de novo no leitor. É interessante que o protagonista seja bem visto, afinal ele é uma projeção do leitor. Coisas como masturbação e agressividade com as mulheres são vergonhosas e, por mais que essas ações fossem naturais nessas situações para alguém como o protagonista, elas não são moralmente corretas. O protagonista não é um vilão. O leitor não é um vilão.

Isso é uma espécie de inflação de ego. Os títulos tentam convencer que pessoas como o protagonistas (e os leitores) são boas pessoas, mesmo com suas deficiências sociais e os problema que são consequência (e causa) delas. Uma maneira de resolver isso é simplesmente ignorar esses problemas fazendo o protagonista agir de maneira correta mesmo em situações onde ele não agiria assim por causa dessas dificuldades.

Existem soluções mais “agressivas” para essas situações em que os hormônios a todo vapor de um pré-adolescente podem resultar em consequência desastrosas. Uma das mais covardes é vista no Rito de To Love Ru que desmaia toda vez que vê tetas. Outra é fazer o protagonista ser tão burro quanto uma porta a ponto de ele ser incapaz de perceber e aproveitar as situações em que ele é posto.

Nas protagonistas de shoujo, essas modificações também são visíveis. Elas costumam ser mais ingênuas do que as leitoras (a Sawako, por exemplo, não sabia nada do mundo no começo de Kimi ni Todoke), além de serem excessivamente fofas e bondosas se comparadas com as leitoras.

Um bom exemplo que ilustra essa situação é que a Sawako não fofoca. Você já conheceu uma mulher que não fofoca?

Os Ambientes

Certa vez, eu vi num fórum a seguinte questão:

“Por que, diabos, a Yuu ficou com alguém tão sem graça como o Mugi?”

Tanto a Yuu quanto o Mugi são personagens de Pastel, outro LoveCom que se encaixa na análise feita nesse texto. Como a pergunta diz, o Mugi é realmente sem graça. Não tem nada de especial além da suas capacidades culinárias. Não é bonito. Não é inteligente. Não é atraente. Tem um nome tosco. Na melhor das hipóteses, ele é decente, já que ele é um carinha bastante simpático.

Entretanto, o caminho para a resposta não está em encontrar qualidades no Mugi que justifiquem o seu relacionamento com a Yuu e o interesse dela nele. A resposta para esse mistério está no ambiente. Quando isso é levado em conta, a ausência de qualidades do Mugi é irrelevante.

IMG ISMesmo que nos inclinemos a pensar que a Yuu poderia achar alguém mais interessante que o Mugi, isso não é possível dentro do universo de Pastel. Esse “alguém mais interessante” simplesmente não existe! Todos os machos sexualmente aptos a se relacionar com a Yuu SUMIRAM! O Mugi é o único que resta.

Quando os dois vão a escola, não se encontra nenhum outro garoto “mais interessante” mesmo que supostamente esse seja o lugar ideal para ele estar. Ao invés disso, encontramos uma horda de garotos pervertidos que só pensam na Yuu como objeto sexual e que são ainda mais feios e burros que o Mugi. Muitos deles são até mesmo capazes de forçar a Yuu a fazer coisas feias que ela não quer (que malvados!). Sendo o Mugi, o único, de todos os garotos da escola, que não se comporta o tempo todo como se fosse um chimpanzé no cio.

É um ambiente aonde o “princípio do lixão” funciona a todo vapor. O Mugi é o único ser humano decente ali, então é natural que ele eventualmente tenha um relacionamento amoroso com a Yuu. Afinal, por mais bizarro que seja, ele é o melhor espécime do sexo masculino apresentado no mangá inteiro.

Isso explica várias coisas. É natural também que o Mugi tenha o seu próprio harém visto que é compreensível que todas as mulheres no mangá o desejem (e ele tem um harém vasto).

Explica também a quase ausência de personagens masculinos (com exceção da horda de pervertidos ou de homens mais velhos) já que apenas mais um “Mugi” seria o suficiente para quebrar a validade do princípio da isolação.

Em shoujos, o equivalente da horda dos pervertidos é a horda das vacas. Muitas vezes, a maioria das mulheres pelas quais o príncipe encantado é capaz de se interessar, tem problemas básicos como a ausência de escrúpulos no planejamento e execução de seus planos maléfícios. Elas também mentem muito, tem duas caras e nutrem um amor “menos puro” que o da protagonista. Podem até ser bonitas, mas, obviamente, o príncipe não liga para isso, o que importa está no interior.

Existem maneiras de adicionar personagens femininas no mangá sem que elas se encaixem como vacas. Algumas especificidades próprias do shoujo permitem isso. O que torna o princípio da isolação bem menos perceptível.

Algo irônico a se perceber é que a escola (como ela é no mundo real) não é um bom local para que o romance proposto nos LoveComs se desenvolva. Nesse ambiente, um grande número de garotos e garotas é capaz de interagir com uma grande quantidade de indivíduos diferentes do sexo oposto. Ou seja, não há chance de utilizar o princípio da isolação, só o do lixão, que é aplicado transformando 99% do contingente escolar em lixo (vacas e pervertidos).

Love Hina segue uma tendência diferente. Ao invés da escola, a história se passa majoritariamente no dormitório feminino Hinata onde o princípio da isolação é bem melhor aplicado. Pode parecer forçado fazer a história se passar num lugar tão óbvio, porém, na minha opinião, isso é bem melhor do que transformar a escola numa piada.

Os Coadjuvantes

Ao contrário do que o princípio do lixão dita, é comum ver shoujos românticos onde não existem apenas vacas. Não há só uma, mas várias personagens femininas atraentes. O mesmo vale para homens. Muitos deles poderiam muito bem se tornar príncipes encantados nos quais a protagonista poderia se interessar. É arriscado fazer um mangá com poucos coadjuvantes já que eles em muitas oportunidades são fonte de tramas e cenas cômicas. Contudo, só é possível acrescentar esses personagens através de alguns truques.

A segunda premissa é a chave para entendê-los. Ela dita que mulheres só tem um alvo por vez. Não é certo numa cultura conservadora (como a japonesa) se interessar por mais de um homem. Mesmo que a leitora se interesse, no fundo, por algum dos coadjuvantes, a moral não permite que ela expresse esses sentimentos. E, como a protagonista sempre age de maneira moralmente correta, torna-se impossível ter mais de um amor ao mesmo tempo.

Essa incapacidade da protagonista se apaixonar por mais de um homem dá a liberdade para que outros personagens masculinos sejam adicionados. E estes homens, por sua vez, permitem que outras garotas entrem no mangá desde que formem casais com eles. Um casal formado por coadjuvantes é uma estrutura “estável” dentro do shoujo já que o possível interesse que a leitora pudesse vir a ter pelo garoto é frustrado pelo fato de que ele já está engajado numa relação. A garota, que poderia vir a se tornar uma concorrente, também é inofensiva visto que ela também já se encontra numa relação.

Existem estratégias para adicionar personagens em Shoujos sem que eles estejam na forma de pares, mas nenhuma delas é tão “estável”. A chamada tomboy é um tipo interessante. A tomboy trata-se de uma menina que apresenta hábitos tipicamente masculinos e que, nestes mangás, não se importa com relacionamentos amorosos (apesar de não necessariamente ser homossexual). A Chizuru, de Kimi ni Todoke, é um exemplo de tomboy típica. Por causa dessa indiferença em relação à sexualidade e das características femininas mais suprimidas, as Tomboys acabam por ser personagens incapazes de opor resistência ao relacionamento da protagonista.

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Outro tipo é representada pela Ayane, também de Kimi ni Todoke. Uma garota que tem um histórico maior de relacionamentos com homens e que é muito menos ingênua que a protagonista. Na falta de termo melhor, chamar-la-ei de “biscate”. Por não ser tão pura quanto a protagonista e ser incapaz de obter o “amor verdadeiro” (que só existe dentro de uma relação quase mágica como a da protagonista e do príncipe encantado e não em relacionamentos mais curtos e descompromissados), a biscate não se configura como uma real ameaça às intenções amorosas da protagonista.

Em shounen, essas estratégias são mais incomuns. O principal motivo consiste na ineficácia da estratégias dos pares quando aplicada a esse tipo de mangá. A justificativa é que toda as garotas sexualmente aptas do mangá tendem a pertencer ao harém do protagonista por que o leitor não suportaria que qualquer uma delas se relacione com qualquer outro personagem masculino do mangá. O leitor diferentemente das leitoras vai se interessar por todas as garotas bonitinhas que forem apresentadas no mangá. Coisa que é iterada pela segunda premissa.

O protagonista dificilmente vai se relacionar oficialmente com mais de uma garota visto que isso é moralmente incorreto segundo a cultura japonesa, mas, mesmo assim, as integrantes do harém não vão arrumar relacionamentos próprios tendendo a ficar “orbitando” o protagonista e a sua heroína escolhida. Essa tendência é machista e, de certa forma, patética, mas entenda que é a única maneira de se preservar as integrantes do harém fiéis ao protagonista sem apelar para poligamia.

Existe até mesmo um mandamento bíblico “Não desejarás a mulher do próximo” que prevê essa necessidade masculina. Ele só está lá por que é natural o homem desejar a mulher dos outros dentro da nossa cultura.

Como o leitor é incapaz de aceitar que existam personagens mais aptos a se relacionar com as garotas dento mangá que o protagonista, todos os coadjuvantes masculinos tendem a ter algum tipo de característica crítica que os impossibilita de se relacionar com as garotas pelas quais o protagonista se interessa. Ou eles são tão burros, feios e pervertidos quanto a horda dos pervertidos, ou eles são afeminados. Também podem ser mulherengos e, por esta razão, passam longe de possíveis concorrentes já que garotas “decentes”, como as integrantes do harém, nunca vão se relacionar com esse tipo.

Pessoas mais velhas como pais e professores também são coadjuvantes possíveis. Por causa da sua idade, acabam não oferecendo ameaça ao relacionamento do protagonista e não se encaixam tão bem no seu harém. O Seta e a Haruka de Love Hina são exemplos de coadjuvantes mais velhos que tem importância significativa dentro do seu título.

Os chamados personagens “ferramentas” também são típicos coadjuvantes de LoveComs. São garotos e garotas que não são atraentes e, por este motivo, acabam não sendo visados pelos protagonistas, mas que ainda possuem funções bem definidas dentro do enredo. Um exemplo é a Ruri, de Nisekoi, que tem basicamente a finalidade de criar situações em que a Onodera (uma heroína tímida) e Ichijou (o protagonista) interajam. Devido a timidez de Onodera, as interações não poderiam acontecer de forma natural entre os dois já que nenhum deles tem a iniciativa necessária.

Os Rivais

Os rivais são a espécie mais singular de coadjuvante dentro de LoveComs. A príncipio, é possível pensar que tais personagens tem como função competir com o(a) protagonista pela(o) heroína/príncipe encantado; no entanto, devido as modificações necessárias que esse tipo de mangá sofre com o objetivo de se alinhar aos desejos dos leitores, o rival acaba não assumindo esta responsabilidade na trama.

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Sendo bem conciso, o rival serve para dar um susto. Não muito mais do que isso. A simples existência de um personagem que poderia, ao mesmo tempo, captar o interesse da heroína (ou príncipe encantado) e se interessar nela já causa apreensão no protagonista. É uma maneira de forçar algum tipo de ação por parte dele tendo em vista a ameaça que o rival representa (porque palermas passivos não se mexem se não sofrerem pressão externa), como também fazer que o protagonista identifique e aceite os sentimentos que nutre pela heroína. É aquele velho ditado “só se passa a perceber o real valor das coisas, quando se torna possível perdê-las”.

Mesmo assim, o perigo que o rival demonstra se revela eventualmente um alarme falso. As razões são basicamente duas: (1) o rival não tem um interesse real na protagonista e (2) possui algum defeito crítico que torna a heroína/príncipe encantado incapaz de se interessar por ele.

Dentre os defeitos críticos que os rivais costumam possuir estão: serem falsos e terem segundas intenções com o relacionamento; serem fúteis e incapazes de amar a heroína/príncipe encantado da maneira correta; serem infiéis.

Outro defeito bizarro que é usado com frequência é o fato destes rivais serem, na verdade, homossexuais ou travestis. No momento em que o rival revela que, na realidade, ele é do mesmo sexo que a heroína/príncipe encantado, torna-se impossível que qualquer tipo de relacionamento amoroso ocorra entre eles. Travestis são convenientes, já que não é necessário justificar muito a fundo o porquê do rival perder para o protagonista. No caso de homossexuais, eles nunca tiveram chance real. Por isso, travestis são vistos em muitos LoveComs como, por exemplo, a Seiko de Lovely Complex e a Tsugumi de Nisekoi.

Na minha opinião, “rivais de mentirinha” são uma atitude covarde já que livra o autor de precisar lidar com um “rival de verdade” e mostrar que o protagonista pode ser um pretendente melhor que ele. Ainda sim, é algo difícil de se fazer porque, para ser sincero, não existem mutos rivais com os quais o protagonista possa competir. Alguém inferior ao protagonista não é muito diferente do espécime encontrado nas “hordas” enquanto que alguém igual ou melhor vai contra do desejos do leitor.

Os Príncipes Encantados

(Separei a análise dos príncipes e das heroínas. Apesar de terem objetivos semelhantes, suas mecânicas são diferentes.)

Ao mesmo tempo que existem um monte de coisas que os príncipes não podem ter, não existem muitas coisas que eles precisem ter. São as já citadas “simplificações”. É mais fácil sumir com as características inconvenientes do que adicionar as convenientes.

Um príncipe precisa ser bonito (mas sua beleza não precisa ser de outro mundo), amável de vez em quando, e, principalmente, precisa amar a protagonista pelo que ela é por dentro relevando completamente qualquer tipo de imperfeição e defeito externo.

Como shoujos românticos não possuem traços realistas, fazer um personagem que se passa por bonito não é difícil. Leitores masculinos costumam ser bem mais exigentes com arte, mas isso não encontra respaldo nas leitoras. “Ser fofo” é muito mais importante do que “parecer real”. Essa tendência resulta em mangás com traços bem escrachos e sem detalhes. Planos de fundo são muito menos trabalhados e personagens costumam ser muito mais parecidos uns com outros (às vezes, são identificáveis apenas um ou dois padrões diferentes de rosto, às vezes, até mesmo, garotos e garotas compartilham o mesmo padrão). Já em shounens quanto mais diferenciação e detalhes ele tiver (heroínas bem diferenciadas, curvas e calcinhas bem desenhadas) geralmente melhor será a aceitação. Existem exceções (o traço de Love Hina é bem simples, por exemplo), mas dificilmente uma boa arte não melhorará a popularidade de um LoveCom shounen.

No shoujo, isso não é encontrado porque o padrão de “garoto bonito” é diferente. Enquanto um leitor homem gosta de curvas, uma leitora não necessariamente gosta de músculos. É algo que pode ser da idade, porque, se compararmos com alguns exemplos de “garotos bonitos” da nossa cultura ocidental como Justin Bieber e Edward Cullen, é visível que este público-alvo feminino juvenil visa mais esse biotipo do que um homem peludo e másculo. Pode se argumentar que o homem naturalmente exige mais realismo por ser mais carnal que a mulher, enquanto que a mulher idealiza e se foca mais em conceitos do que na carne. Entretanto, isso é um aspecto cultural (e talvez biológico), e não é do escopo dessas análise discuti-las. Como dito antes, essas coisas são tratadas como premissas (e quem sou eu, um marmanjo barbado, pra dizer o que uma menina de 14 anos gosta?).

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Um príncipe precisa se apaixonar pela protagonista pelo que ela é no seu interior. Ele não é proibido de se sentir atraído sexualmente pela protagonista, mas as condições são as seguintes: (1) o mais importante é o que está por dentro e (2) o desejo sexual deve ser dramatizado. Um príncipe deve se culpar pelos sentimentos impuros que ele sente. Deve ser algo ligeiramente errado. Sendo algo capaz de até causar crises no relacionamento se for mal administrado. O desejo sexual dirigido a qualquer outra mulher simplesmente não pode acontecer e, se por acaso acontecer, o príncipe sempre vai preferir a protagonista já que é o que está dentro é o que realmente importa.

Pode parecer irônico, mas as regras são essas mesmo. Mesmo que se possa argumentar sem muito esforço que esses príncipes não existem na realidade, o mangá força as leitoras a acreditarem que é certo que esses garotos devessem existir na realidade, porque, no fundo, é o que elas mesmas querem.

O Arima de Kare Kano. O Kazehaya de Kimi ni Todoke. O Otani de Lovely Complex. Todos eles se encaixam nisso.

Há mais coisas a se dizer a respeito dos príncipes encantados. Como eles interagem com a protagonista, como eles conquistam ou são conquistados, como eles se portam, que tipo de coisas eles falam ou fazem. E, nesses aspectos, eles se diferenciam um dos outros. É aí que se encontra a inovação e a personalidade dos LoveComs shoujo.

Considero Kare Kano o melhor shoujo romântico que eu já li basicamente por todo o trabalho que o mangá faz em volta do Arima. É um dos príncipes mais realistas que já vi justamente por causa dos dramas e traumas que o envolvem e que, de certa forma, explicam por que ele é um príncipe encantado (e tão diferente de um garoto comum).

As Heroínas

Confesso que entendo bem mais de heroínas do que de príncipes encantados. Não só porque li mais shounens do que shoujos, mas porque eu tenho uma melhor noção do que um garoto que se encaixa no público-alvo desses títulos quer com as heroínas.

Heroínas não existem apenas em mangás, light novels e animes. Estão também massivamente presente nos chamados eroges (games eróticos japoneses) e nos simuladores de encontro (jogos em que você controla um garoto e tem que conquistar heroínas). Os produtores desses jogos (e autores desses mangás) se focam bastante em criar garotas fofas e bonitas que chamem a atenção dos consumidores desse tipo de mídia.

Uma característica que essas duas mídias diferentes, às vezes, compartilham é a multiplicidade de heroínas. O protagonista não conquista não só uma, mas várias garotas. Isso não é tão descarado em LoveComs já que o relacionamento “oficial” é só com uma garota, mas é muito comum o protagonista conquistar o amor de várias garotas. Coisa normal em haréns.

Os eroges também não se preocupam com o relacionamento em si, focando-se esclusivamente na conquista transformando o processo num jogo (como se fosse um puzzle). Isso é completamente diferente de algo que é feito para garotas que estão mais interessadas no aspecto romântico, dramático e fofo do começo de uma relação. Esse ponto de vista de tratar heroínas como prêmios e desafios é coisa de shounen e afeta as características das garotas consideravelmente.

The World God Only Knows é um mangá que segue essa ideia. Ele chuta o balde e copia muita coisa dos simuladores. No mangá, o protagonista, Keima, é incumbido de purificar as almas de garotas que são “possuídas” por espíritos malignos escapados do inferno. E a única maneira de fazer isso é conquistar o coração delas e preencher com amor o “vazio” no qual os espíritos se alojaram. Depois que a conquista é concluída e a alma da heroína é purificada, elas simplesmente se esquecem da conquista. Isso permite que o Keima possa realizar múltiplas conquistas sem isso parecer errado e que isso possa se perpetuar indefinidamente (mangás que só tem uma conquista acabem por volta dos 200 capítulos, TWGOK já tem mais que isso sem sinal de se aproximar do fim).

Não é como se TWGOK transformasse completamente o começo de uma relação em um jogo. O mangá ainda trabalha com os aspectos emocionais disso (problemas das heroínas, sentimentos envolvidos, choradeira), além de, em algumas oportunidades, se autocriticar (existe uma saga em que o Keima tem que conquistar uma garota comum, que não é fofa, bonita ou que tenha qualquer característica típica de uma heroína comum ou uma outra saga aonde algumas garotas se lembram das suas conquistas e do comportamento “irresponsável” do Keima e isso gera conflitos). E é por causa dessas coisas que eu gosto tanto desse mangá.

A multiplicidade de heroínas garante duas características interessantes para o título (seja ele eroge ou LoveCom). Possibilita múltiplas conquistas e, além disso, possibilita uma espécie de jogo entre elas. Uma conquista afeta outra. Qualquer tipo de iniciativa que o protagonista tome afeta todas as suas relações. Se ele tentar se aproxima de uma garota, ele pode se afastar de outras. Se ele se aproximar de forma errada de uma garota, ele pode não só afastar ela como as outras também. Há muita indecisão envolvida, pois o protagonista gosta de todas as heroínas, mas sabe que tem que escolher uma. Mangás como o Ichigo 100% e I”s baseiam todo o seu enredo nesse tipo de trama.

Essa multiplicidade de garotas sugere que existam diferentes “categorias” delas. Sendo que essas categorias são, de certa forma, padronizadas. Isso não impede que heroínas “diferenciadas” possam surgir, mas a maioria delas acaba se encaixando em alguma das categorias. A padronização existe porque alguns tipos de heroínas acabam sendo reconhecidamente bastante convenientes. É algo que já foi feito antes, que é razoavelmente fácil de reproduzir e que sabidamente agrada ao leitor.

Dentre as categorias, encontra-se uma que poderia se chamar de “tímida”. A tímida geralmente é uma heroína muito meiga, quieta e submissa. Por não falar muito e a história girar no entorno do protagonista, muitas vezes o autor esconde o que esse tipo de garota pensa focando-se totalmente nos pensamentos e ponto de vista do protagonista. O que essa garota pensa e o que ela sente pelo protagonista é um segredo guardado a sete chaves. E justamente por essa informação ser confidencial e incerta para o protagonista, é que a conquista se tornar problemática e cheia de drama. O protagonista não consegue saber que efeito as suas iniciativas causam na garota porque ela sempre se expressa e fala muito pouco. Quando existem múltiplas heroínas, geralmente, é na tímida que os acontecimentos giram, já é a garota mais misteriosa e, muitas vezes, mais bonita e fofa. Isso não quer dizer que ela será a escolhida no fim, mas é em torno dela que os maiores dramas tendem a acontecer. Essa aura de mistério que acompanha a tímida geralmente sugere que ela seja um “prêmio” mais valioso visto que o desafio parece ser maior. A Iori de I”s e a Toujou de Ichigo 100% são exemplos desse tipo.

Uma das fraquezas que esse tipo tem é que não costumam existir muitas interações significativas entre o casal antes da conquista. Constituem-se de conversas curtas e acanhadas. O protagonista tem medo de falar bobagem e frustar suas chances com a garota, enquanto que ela é naturalmente silenciosa. Existem estratégias aplicadas para melhorar isso (como a amiga “ferramenta”citada na parte dos coadjuvantes que empurra a heroína em cima do protagonista), mas não deixa de ser um problema. Por causa disso, as vezes, o mangá passa a acontecer dentro da cabeça do protagonista enchendo as páginas de monólogos, interpretações e planos do garoto.

IMG NSK

A tsundere, que é outra categoria, resolve esse problema. Pelo fato de ter duas caras, (uma agressiva quando interage com o protagonista em público e outra mais meiga quando está sozinha) ela pode interagir com o protagonista o tempo todo seja criando situações cômicas, ecchi ou fofas. Ela não consegue criar uma aura de mistério tão poderosa quanto a tímida, mas o autor ainda consegue esconder suas intenções brincando com as duas caras dela. Tsunderes não são tão comuns em LoveComs por mais bizarro que isso possa parecer . A Narusegawa de Love Hina é um dos poucos exemplos de sucesso. Tsunderes são boas fontes de ecchi e situações cômicas, mas pecam em tornar a conquista desafiadora, devido ao fato de não conseguirem esconder suas intenções. Elas são mais comuns em mangás menos focados em romance e mais em ecchi e comédia. Ou em mangás com apenas uma heroína (por que é difícil jogar com outras garotas quando uma tsundere se faz presente).

Um terceiro tipo, a “atirada”, trata-se de uma garota que reconhecidamente gosta do protagonista e tenta conquistá-lo usando seu charme e beleza. Costuma existir em histórias com múltiplas heroínas e tem como função tentar o protagonista. Ela dificilmente é a escolhida no fim, já que namorar uma garota apenas por sua beleza não é algo moralmente correto visto que ignora completamente o interior, mas cumpre o seu papel gerando fanservice nas suas tentativas e atrapalhando o protagonista. A Satsuki de Ichigo 100% e a Izumi de I”s são exemplos dessa categoria.

Existem outros tipos de categorias como a “despreocupada” (que não liga para os seus sentimentos e brinca com os do protagonista) ou a “madura” (que é uma garota que sabe o que quer e que usa de recursos um pouco mais inteligentes que a atirada para conquistar o protagonista). O que permite que essas categorias sejam padronizadas e amplamente utilizadas nesses mangás é que esses tipos específicos oferecem elementos atraentes a histórias sejam estes fanservice, mistérios, alívio cômico ou drama emocional.

Novamente, não penso que toda essa mecanização e padronização seja prejudicial. De fato, ela pode frustrar muitas novas possibilidades e evitar que exista inovações nesse tipo de história. Entretanto, não é porque uma Tsundere foi inserida nesse tipo de história que esta automaticamente torna-se-á boa e venderá horrores. É algo que depende muito da execução.

A própria Narusegawa de Love Hina é um bom exemplo. Eu acho fantástico como Ken Akamatsu (autor do mangá) encaixa a heroína na história. Ele se esforça muito para que uma personagem bizarra como a tsundere pareça real. Não apenas nas ações presentes dela, mas no seu background histórico e emocional. A posibilidade de uma garota como a Naru existir é bem baixa, mas o Ken Akamatsu se esforça para que ainda seja possível.

 What is Love?

Pense numa escola, agora esqueça os príncipes encantados e as heroínas e ponha no local apenas Keitarous e Sawakos.

Apenas com essas ideia tosca, já se consegue o que eu acho que seja uma boa aproximação da realidade. O primeiro problema dos LoveComs e que os distancia da realidade é que apenas o protagonista é uma pessoa possível. Todo o resto, incluindo a heroínas e os príncipes são ferramentas com o objetivo de tornar a sua conquista divertida e emocionante. Enquanto que o protagonista é um personagem que obrigatoriamente precisa parecer com o leitor, os outros personagens tem como objetivo tornar a experiência do protagonista interessante. Mesmo que um dos seus objetivos seja melhorar a imersão do leitor, eles não precisam ser realistas. Eles precisam ser apenas convincentes.

Na escola de Keitarous e Sawakos aconteceriam coisas interessantes. Os Keitarous mais ativos e bonitos chamariam atenção das Sawakos e vice-versa. Enquanto os mais passivos e feios seriam menos afortunados e vice-versa. Entretanto, isso não quer dizer que eles estejam fadados ao fracasso social e amoroso. Talvez eles não teriam a mesma experiência encantada que os LoveComs expoem, mas ainda poderiam achar uma Sawako ou um Keitarou. E ter uma relação feliz.

O cenário proposto pelos autores para que as conquistas ocorrram se desintegra quando aplicado a qualquer outra situação. Ele é criadoa afim de proporcionar esse tipo de fuga da realidade e não muito mais do que isso.

Existem poucos títulos que sobrevivem sem perder qualidade depois da relação entre os dois pombinhos de fato começar. Kare Kano é um exemplo. Torna-se um drama que vai a fundo nos backgrounds e histórias dos personagens. Não apenas dos dois personagens principais (Myazawa e Arima), mas de todos os coadjuvantes. Até mesmo daqueles que supostamente são ferramentas. Essa característica comum a todos LoveComs surge justamente da incapacidade do cenário proposto para a conquista funcionar com qualquer outra coisa.

Eu não acho que todas essas características derivadas da necessidade de criar uma experiência de conquista interessante ao leitor necessariamente signifiquem que LoveComs estejam fadados a serem obras ruins. Existe competência e qualidade ao se criar um título que agrade esse tipo de leitor. Não é simplesmente pôr tudo que o leitor quer. É, na verdade, equilibrar todos esse desejos do leitor e executá-los bem na história. Não apenas fazer uma tsundere, mas fazer uma boa tsundere.

O único problema disso tudo é que como os mangás desse gêneros estão tão condicionados a satisfazer as necessidades dos leitores, não existe espaço para tentar coisas diferentes. O leitor está tão acostumado a ter seus desejos satisfeitos que qualquer obra que tentar algo que pode irritar o leitor acaba por estar destinada ao fracasso.

Esse tipo de relacionamento (e o amor e os demais sentimentos envolvidos) mostrado em LoveCom talvez não seja tão irreal. Talvez o amor apresentado nesses mangás ainda seja possível mesmo com todas as coisas idealizadas introduzidas neles. E, de fato, não esteja se enganando o leitor (mesmo que este esteja procurando ser enganado). O problema é que elas sobrepujam qualquer outra maneira diferente de mostrar amor e relações juvenis em geral.

Eu realmente estaria interessado em ler uma história sobre uma escola de Sawakos e Keitarous que não tenham personagens tão convenientes quanto a Narusegawa ou o Kazehaya. Muitas das coisas legais que esse tipo de mangá poderia ter vem justamente dos problemas que surgem quando não existe um cenário tão conveniente quanto o normal apresentado em LoveComs. As dificuldades seriam realistas e, de fato, mostrariam que um relacionamento legal pode acontecer com alguém como o leitor. Não da maneira que ele quer. Não ficando na mesma zona de conforto de sempre esperando que o universo convirja para que uma Narusegawa caísse no seu colo. Mostrando que o primeiro passo para ter um relacionamento legal é simplesmente ter iniciativa.

Talvez, no fim de tudo, não se consiga uma Narusegawa. Só uma Sawako mesmo. Contudo, ainda sim, não é algo tão ruim. Eu mesmo acho a Sawako uma fofa.

E, ah, feliz natal para todos. =)

IMG NAT

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12 respostas para Histórias de Amor entre Garotos e Garotas

  1. Ruisu disse:

    MELHOR POST.

    Apesar de muto do que você tenha dito seja realmente só uma reafirmação daquilo que fans do gênero lovecom já estejam acostumados, é sempre bom ler um texto tão bem trabalhado que faça uma análise a fundo nas bases desse gênero. Esperando pelos próximos posts seus sobre outros assuntos o/

    • erequito disse:

      Sim, a maioria das pessoas que acompanha o gênero percebe o quão frequente esses elementos estão presentes nesses títulos. A ideia do texto era justamente tentar explicar o porque dessa frequencia tão alta e, também, a função dessas coisas na história.

      É ótimo que tenha gostado.

  2. Yanzat disse:

    Post incrível.
    Sou um fã também dos lovecoms, como já foi dito o texto é uma reafirmação daquilo que estamos acostumados a ver, mas com uma analise muito bem feita, espero ver mais textos seus assim.
    Gostei tanto que vou até recomendar esse texto para alguns amigos meus que gostam do gênero.

  3. OniluapL disse:

    Excelente post, cara. Realmente.

    Eu não sou um grande fã de LoveComs, justamente por parecer padronizado DEMAIS, mas você realmente destrinchou o gênero a fundo, sem deixar dúvidas.

    Mas com tantas obras parecidas, acho que é interessante pra obras desse gênero mudarem uma coisa ou outra desses padrões, para manter o público padrão atraído enquanto ainda oferece algo novo. Good Ending, por exemplo, tem um romance razoavelmente bem desenvolvido entre o amigo do protagonista e uma amiga, que aliás, nunca demostrou nenhum interesse pelo protagonista. Uma variação simples, que não irrita o leitor padrão pelo simples fato de esse amigo também ser simpático aos olhos do leitor, e não atrapalhar em nenhum momento o hárem do protagonista. Existem outras fugas de padrão nesse mangá (que talvez o faça não ser um bom exemplo, justamente por destoar bastante), mas acho que esse exemplo sozinho demostra bem.

    • erequito disse:

      Good Ending foge um pouco mesmo, mas nem por isso me agrada muito. Acho o romance principal um pouco problemático demais, e depois que ele falhou, por causa dos traumas da Kurokawa, o mangá meio que assumiu a tendência que eu to vendo em vários LoveComs atuais. O protagonista fica perdido e incapaz de seguir em frente. Até se envolve em outros relacionmentos, mas não consegue esquecer a heroína inicial. Isso é bem forte em Kimi no Iru Machi também.

      Isso meio que serve para aumentar a vida útil comercial do mangá, já que dá pra ficar enrolando muito tempo em cima desses relacionamentos secundários do protagonista e dos problema que ele tem por não conseguir superar o primeiro relacionamento.

      Dos LoveComs que fogem desses padrões eu gosto bastante de The World God Only Knows (que citei no texto), de Onidere (mais focado em comédia nonsense e num relacionamento já consolidado, mas cheio de bizarrices) e também de No Bra (um mangá aonde um travesti, de fato, tem chance de ser escolhido). Por fim, tem Living Game que eu nem chamo de LoveCom pelo fato de ser bem mais maduro e menos padronizado do que a maioria dos mangás de romance.

      • OniluapL disse:

        Eu tinha escrito uma resposta grande, mas perdi. Mania de responder pelas notificações do wordpress….

        Enfim, concordo que a história enrole um pouco nisso, mas acho necessário o romance com a Sho como parte do desenvolvimento do protagonista e da história. Acho as relações entre os personagens interessante, o Utsumi é um protagonista que consigo entender e gostar, e as doses de drama bem executadas (apesar de bem exageradas as vezes). Tem muitas falhas, sim, mas gosto muito desse mangá, e acho que tem vários méritos, é um dos (talvez o) meus romances favoritos (Apesar de estar longe de ser um dos meus mangás favoritos).

        TWGOK eu nem penso como LoveCom, me parece que o objetivo principal do mangá é subverter esses padrões de LoveComs… mas também gosto. Os outros não li, mas pelo que você falou, soam interessantes.

  4. estranhow disse:

    O tempo já passou demais deste post, então nem vou fazer nenhuma consideração específica. Só citar que está MUITO bom, de verdade. Parabéns!

  5. Texto muito interessante. Por mais que eu odeie admitir isso (afinal, RomCom é coisa de perdedor que não pega ninguém 😛 ), também sou um leitor frequente de comédias românticas. Gostaria de saber a opinião do erequito sobre Sankarea, se ele já leu.

    E venho aqui recomendar aquele que eu considero o melhor mangá de comédia romântica que eu já li: Countrouble. É simplesmente o mangá de romance que que dá certo.

    • erequito disse:

      Eu não assisti Sankarea, nem li o mangá se este existe. O Hegff usa a expressão “Toradora de pobre”, o que é um pouco elogio e crítica ao mesmo tempo. Toradora deve ser um dos melhores animes de romance que eu assisti. Eu nem tento aplicar essa minha análise a ele porque ele se livra muito bem dessas mecânicas viciadas que muitos romances japas abusam. Enfim, pretendo assistir, mas sabe-se lá quando.

      Vou dar uma olhada nesse mangá que indicou. Eu já li tanta coisa de romance que, às vezes, acho que não tem mais nada interessante que eu não tenha visto, mas o cara sempre consegue achar alguma coisa se procurar o suficiente,

      • Hegff disse:

        Na verdade, utilizo essa expressão para caracterizar Sakurasou. O que é meio injusto, pois Sakurasou foi um dos animes que mais gostei de assistir ano passado. Sankarea já fica bem mais embaixo. Diria que o anime (não conferi o mangá), é pouco mais que mediano.

      • erequito disse:

        Malditos nomes parecidos.

  6. Pingback: The World God Only Knows – Megami-hen | All Fiction

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