One Piece: uma introdução

A chegada do provável último arco de One Piece é uma boa oportunidade para estudo mais detalhado da obra como um todo, afinal muitos dos personagens que tiveram destaque aqui e acolá ao longo da trama deverão ressurgir com certo protagonismo nestes últimos anos de serialização.

A ideia é fazer vários textos que explorem as diversas facetas do mangá de Eiichiro Oda, trabalhando em uma sequência cronológica arco a arco, sem que isto impeça alguma digressão ou outra em temáticas laterais. Este primeiro texto é apenas introdutório, e nos próximos dias publicarei o segundo, focado no primeiro arco, o célebre Romance Dawn.

One Piece é o mangá mais vendido de todos os tempos, é também uma das obras ficcionais mais lidas em todo o Japão. Um sucesso estrondoso. E quando se olham determinados aspectos fica ainda mais surpreendente tanto sucesso. A história é longa demais, já sendo publicada desde 1997 e contando com mais de 1000 capítulos. Portanto, se alguém decide começar a ler agora possui um caminho gigantesco adiante até alcançar os momentos atuais da trama. Além disso os traços de Oda, sobretudo nos primeiros anos de publicação, eram infantilizados e caricatos ao ponto de dificultar o leitor levar a sério a história. E isto se torna ainda mais engraçado e impactante naqueles momentos de tensão, como no ápice de Arlong Park e a interação Luffy-Nami sobre o chapéu. One Piece tem muita comédia, e nisto o traço é perfeitamente compatível, mas na tensão causa estranheza, em primeiro momento… depois que se acostuma esta contradição se torna um trunfo, algo de único. Neste sentido Oda conseguiu um balanceamento surpreendente entre comédia, ação e drama que, na minha visão, nem mesmo Akira Toriyama o fez com tanta qualidade em Dragon Ball. Aquela estranheza à primeira vista depois se torna uma marca única e original de Oda.

Outro detalhe que dificulta é a poluição de personagens. E aqui não necessariamente é uma virtude da obra. É fato que após quinze anos de história inevitalvemente se terá centenas de personagens relevantes na trama. Ainda assim, em alguns arcos, há exagero, muitos personagens que são criados, recebem nome, alguma interação, mas pouco de impactante fazem. Oda obriga o leitor por vezes a armazenar muitas informações desnecessárias.

E ainda assim, com tudo isto, One Piece é um sucesso. E não apenas sucesso comercial, mas um sucesso de qualidade. One Piece é sim um clássico contemporâneo.

E como consegue isto? Na minha visão o principal trunfo do Oda é a construção de mundo, tanto no sentido geográfico (com suas tantas ilhas, cada uma seguindo leis naturais próprias) como político, abrindo tantos e tantos enigmas que vão prendendo leitor ano após ano. É difícil parar de ler porque você simplesmente quer descobrir afinal o é o One Piece, o tesouro dos tesouros que está no final da Grand Line. Você quer entender o que foi o século perdido, o século apagado da história, quem são os personagens com linhagem D, e tantos outros mistérios abertos e não resolvidos ainda. Além disso você quer saber o que será da Marinha, dos piratas, dos revolucionários, o que será daquele intrincado e interessante mundo ao final da trama.

Portanto, a trama global de One Piece, que transcende os personagens principais, na minha opinião, é o que mais prende o leitor. As narrativas específicas nem sempre são espetaculares, variando entre ótimos, regulares e fracos arcos, mas o contexto geral é impactante, sedutor. Até porque Oda mescla tudo isto com referências do nosso mundo real, inserindo elementos de piratas históricos, de episódios concretos. É possível fazer muitos paralelos entre as várias partes da obra com condições políticas existentes em nossa realidade, e por paralelos não me refiro a questões óbvias como corrupção governamental ou denúncia da escravidão, que estão na trama, mas a elementos bem mais sutis e complexos, que destrincharei no devido tempo.

O mundo de One Piece é muito complexo. Temos ali um Governo Mundial que controla e por vezes oprime os povos por meio de uma Marinha violenta e a manipulação das informações. Por outro lado piratas muito variados, desde líderes criminosos até aventureiros que apenas querem se divertir. Temos ainda grupos revolucionários beirando o anarquismo que desejam estraçalhar a ordem vigente. E estes blocos não são coesos, porque temos marinheiros honrados e marinhos sádicos, pirates dóceis e piratas sanguinários, não há uma linha fixa capaz de distinguir moralmente o bem do mal em One Piece, exceto, talvez, em relação aos personagens principais, mas isto será tema do próximo texto.

As Akuma no mi, as frutas do demônio, também são um trunfo. Primeiramente parecem apenas recursos para explicar alguns personagens serem dotados de poderes aparentemente sobrenaturais e outros não, o que é típico de narrativa battle shounen. Mas Oda acrescenta dado interessante que é o fato de quem a consome não conseguir mais nadar. Em um universo onde o oceano prevalece e quase tudo se passa entre navios e ilhas não poder nadar causa uma angústia considerável. Aliás, aqui é algo que poderia ser melhor explorado, o prazer de nadar e a dor não poder mais fazer isto por causa da Akuma no mi.

One Piece é obra gigante, gigante em quantidade de capítulos, gigante na construção do mundo, gigante na complexidade do próprio universo. E Oda desenvolve tudo isto com eficiência, lançando um pouco de cada vez, abrindo e fechando mistérios aos poucos. Oda tem um ritmo próprio, não veloz, mas sempre avançando, com cada arco acrescentando elementos fundamentais para a compreensão da trama.
Ainda assim penso que exista outro aspecto que instiga tanto os leitores, e algo muito mais visceral, porque tudo o que foi dito acima toca a curiosidade, o interesse intelectual, mas por si só não seria suficiente para tanto sucesso. Para além de tudo isto o leitor se diverte e sente algo de expansão enquanto segue a trama, porque é um chamado contínuo à viagem e à exploração de novos mundos. O mar é enorme, e lançando-se nele quantas pessoas, lugares, situações, alguém pode vir a se deparar? Não importa quantas dificuldades e contratempos tenha-se sofrido na vida, lançando-se ao mar sempre é possível recomeçar e ser feliz. O céu azul e o mar azul são talvez as duas imagens mais recorrentes, e ambas juntas dão uma força de imensidão e alegria, que se sintetizam na ideia de exploração do mundo. O mundo é vasto, repleto de novidades, sempre se pode recomeçar, esta mensagem é muito cativante dentro da trama.

One Piece é battle shounen, tem suas lutas. Mas mais que isso, é aventura, comédia, e, sobretudo, construção de mundo. E é isto que veremos nos textos.

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2 respostas para One Piece: uma introdução

  1. André Craco disse:

    Ao contrário de shounens normais, eu fico puto quando tem luta em One Piece. Eu tô cagando e andando pras lutinhas, só queria ir direto para a história principal.

    Mas quando releio, vejo que tudo fica muito bom. É ruim agora pela espera infernal de 1 ou 2 semanas entre os capítulos.

    • Vaca disse:

      É que as lutas realmente não são grande coisa, penso que poucas lutas em OP são realmente memoráveis. Acho que mais que batalha é um shounen de aventura mesmo. O Herect tem um texto bem legal sobre isto aqui, o título é “Aquele pouquinho a mais”.

      No fim acho que a maioria segue OP por causa da história e mundo. Sempre escuto que ‘os melhores capítulos são estes entre arcos’, como os atuais. E estes capítulos servem justamente para acelerar a história do mundo como um todo.

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