Sonhos, coragem e poder (Parte 2 da série sobre One Piece)

Este texto é apenas sobre o capítulo 2 de One Piece. O começo dessa série de textos será mais lento, porque os primeiros capítulos e arcos introduzem elementos importantes para a compreensão da trama. Depois, na medida em que os arcos se tornam mais longos e com ritmo cada vez mais lento será possível fazer textos que envolvam muitos e muitos capítulos.


O anime optou por lançar este capítulo como episódio 1, deixando Romance Dawn como um flashback no episódio 4. A escolha não chega a ser ruim, porque de fato Romance Dawn parece funcionar melhor como flashback, visto que há um timeskip muito longo entre aquela história e a continuação da série. Além disso, conhecer a inspiração da jornada de Luffy depois de saber da sua força e sonho fornece mais peso à própria narrativa sobre a relação com Shanks. Outro argumento a favor do capítulo 2 como episódio 1 é que o momento em que Luffy sai do barril feliz da vida tem mais impacto quando você ainda não conhece o personagem.


Dito isto, não significa que Romance Dawn como capítulo 1 seja uma opção ruim, afinal ali também funciona como espécie de prólogo, quase que um capítulo 0, que antecede a toda a narrativa.


Enfim, o capítulo 2 gira em torno de três personagens, e é no contraste entre eles que as temáticas se realçam. Aliás, esta será a fórmula recorrente de toda a trama, mostrar sempre os pontos de semelhança entre Luffy e seus inimigos e na diferença ressaltar as qualidades consideradas superiores de Luffy. Isto se dá também na relação de Luffy com personagens amigáveis, como Koby. Certo que isto é recurso narrativo em geral, mas no caso de One Piece é utilizado à exaustão na fórmula de colocar personagens opostos em relação a determinado critério. Muitas vezes funciona bem, em outras nem tanto. Aliás, o grande risco assumido por Oda ao fazer uma narrativa tão longa é a sempre iminência de repetição de fórmulas já utilizadas.


No contraste Luffy-Koby acentua-se a temática dos sonhos e a coragem necessária para concretizá-los. Tanto Luffy como Koby são jovens ambiciosos, mas opostos na determinação para alcançar os próprios objetivos. Enquanto Luffy fala abertamente e sem qualquer titubear de que será o Rei dos Piratas, e que não se importa em morrer desde que esteja vivendo para realizar este objetivo, Koby é alguém que sonha em ser da Marinha, mas que aceita passivamente em condição de servo em um navio pirata obedecendo uma capitã que não respeita. A vergonha de si ao ouvir de Luffy que não se importaria em morrer desde que estivesse tentando realizar seus sonhos faz Koby acordar e desafiar Alvida, afinal se morresse dizendo isto seria menos patético que aceitar ser um servo para o restante da vida. De todo modo, ainda que Luffy seja um sujeito empático e magnético a mudança rápida e brusca de atitude em Koby deixa a desejar na narrativa. Alguém covarde daquele modo mudar tão depressa porque ouve algo de um desconhecido?


Tocando a questão dos sonhos aqui se nota uma virtude de One Piece quando comparado com tantos mangás e mais especificamente battle shounen contemporâneos: os protagonistas possuem metas mais ambiciosas e expansivas de vida, como ser Rei dos Piratas, ser o melhor espadachim, alcançar um mar lendário, desenhar o mapa do mundo, etc… Em época em que os objetivos vira e mexe rondam ‘ser reconhecido pela vila’, ‘salvar a irmã’ e etc, ou seja, perambulam questões afetivas e familiares, os sonhos dos Mugiwara são mais expansivos, mais empolgantes, menos focados em reduzir frustrações e mais em realizar feitos heroicos.


A outra contraposição do capítulo é entre Luffy e Alvida, e aqui a semelhança não é na juventude com sonhos, mas na questão de liderança e poder. Tanto Luffy como Alvida se comportam como líderes de tripulação e querem ter poder sobre outros. Aliás, Luffy desde o início não é nenhum queridinho amigável, já no início deixa claro que espera ter uma tripulação seguindo as orientações dele, no jeito dele. Luffy se comporta como líder desde o começo da obra.


Mas as semelhanças entre Luffy e Alvida terminam aqui. Alvida é uma líder insegura, que não confia na própria força, ao ponto de a todo momento exigir ser bajulada por serviçais que ela mesmo esnoba. Uma capitão que quer ser bajulada por figura desprezadas por ela própria. Já Luffy por outro lado não precisa disso, porque tem total confiança em si próprio, noção realista do próprio poder. Sendo assim, não precisa ser bajulado, porque não tem problema de autoestima. Ainda que Alvida já tenha sua tripulação, é uma líder limitada pela própria insegurança. Luffy, que nem tripulação possui, confia nas próprias capacidades. O arco de East Blue é, em grande parte, uma apresentação lenta das virtudes de Luffy como líder, mais do que como simplesmente um pirata forte, e neste capítulo há o foco na autoconfiança.


A autoconfiança também se revela na honestidade de Luffy consigo próprio. Luffy é um sujeito raro que sempre fala o que realmente pensa. Nele jamais há contradição entre o que pensa e o que fala, ou entre o que pensa e o que faz. Por isto que ao dizer para Koby que é um patético não chega a ofendê-lo porque as palavras não carregam semântica ofensiva, mas mera descrição da realidade na percepção de Luffy. Esta ausência de filtro na expressão é uma das marcas mais autênticas da personalidade de Luffy. Por um lado ela o torna um personagem fácil de ser lido e previsto em suas escolhas, mas por outra revela um sujeito muito honesto e verdadeiro consigo próprio, alguém que emana um sentido de confiança muito grande a todos envolta, porque as ações que faz são exatamente reflexo das coisas que pensa e fala.

Luffy é sonhador e corajoso o suficiente para dedicar a vida a um sonho. Além disso, é um líder que sabe do seu poder, por isso não precisa da bajulação. Não basta a ambição, é preciso coragem para ir em busca do sonho e o poder para tornar isto possível.

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