O Mito do Voto Consciente

Um misto de opinião, análise e desabafo sobre a situação atual do eleitor brasileiro.

Voto consciente. Voto informado. Voto inteligente. Todas essas expressões se referem à mesma coisa. Ela resume a obrigação do brasileiro de escolher o seu candidato nas eleições de maneira criteriosa. O voto não deve ser baseado em achismos ou em aparências. Deve ser uma decisão muito bem refletida, alicerçadas numa pesquisa bem feita a respeito das propostas e da conduta dos candidatos, em discussões e em debates realizadas dentro do seu círculo social, como também fora dele em espaços públicos. Todo esse cuidado com o voto é justificado pela sua importância em uma democracia saudável. Dele, depende o destino do país. Através dele, sua voz, suas opiniões são feitas ouvidas nas esferas mais elevadas e relevantes do seu Estado.

É uma pena que isso não aconteça. Que não chegue sequer perto de acontecer.

Repare que no primeiro parágrafo desse texto eu não disse o que o voto consciente é. Eu só discursei a respeito da sua importância e forneci algumas linhas gerais do que fazer para consegui-lo. Se você prestar atenção na publicidade realizada para motivar o voto consciente por parte do eleitor brasileiro na mídia, perceberá que acontece a mesma coisa. É uma propaganda bonitinha, politicamente correta, mas sem nenhuma propriedade. Praticamente, não oferece nenhuma informação útil.

A pergunta que deveria ser feita nessas propagandas e que deveria ser respondida é a seguinte: Como votar conscientemente? O brasileiro já passou da fase em que precisaria ser informado a respeito da importância do seu voto. Milhões já foram gastos com publicidade durante anos a fim de fazer isso. Entretanto, o próximo passo nunca é dado. Ficamos presos no “Por quê?” e nunca abordamos o “Como?”. E, pior, o “O que é?” sequer é mencionado.

É possível citar algumas razões para que a situação se encontre assim. Uma que salta à atenção é a desonestidade completa. O governo, por alguma razão, não gostaria que o brasileiro votasse de maneira consciente, por mais que o incentivasse de maneira incessante. Nesse caso, seria uma puta piada de mau gosto (EI, VOTE DIREITO, MAS, SE VIRA AÍ, PORQUE EU NÃO VOU FAZER NADA PARA AJUDÁ-LO, POR MAIS QUE EU LHE DIGA QUE É A COISA MAIS IMPORTANTE QUE VOCE FAZ NUMA DEMOCRACIA). Entretanto, não é construtivo pensar desse jeito, nem realista.

A razão que me parece mais plausível é que votar conscientemente é uma atividade muito complexa, onerosa e sem consenso. Complexa, pois muitas coisas diferentes e complicadas devem ser feitas. Onerosa, pois é difícil e exige muito tempo. E sem consenso, pois não existe um método bem definido e validado a se seguir. Não existe um cientista que lhe possa lhe dizer, sem sombra de dúvida, o que fazer, ao mesmo tempo em que quase todo mundo, mesmo pessoas muito bem informadas, oferecerá opiniões diferentes. Além disso, o voto não é um problema objetivo que possui uma resposta correta. Se fosse assim, eleições não seriam necessárias, bastaria encarregar cientistas políticos ou computadores com o problema de escolher o próximo presidente e esperar que eles deem uma resposta confirmada pelo método científico.

Para ilustrar o quanto votar conscientemente é difícil, vou tentar listar que perguntas que penso ser relevantes no processo de decisão do voto. Não vou tentar responde-las, porque isso seria loucura. Dá pra escrever um livro grosso tentando responder essas coisas:

  • Quais são as atribuições de um Presidente da República? O que ele pode (ou não) fazer?
  •  Repito a mesma pergunta para todos os cargos elegíveis em uma eleição (senador, deputado federal, deputado estadual, governador, prefeito, vereador).
  • -O que ele precisa saber? É necessário que ele possua noções de política, ética, economia, ciências exatas, filosofia, etc? Devo descartar um candidato pelo fato de ele não saber muito/não ter estudado? Talvez, o contrário seja verdade, é necessário um candidato pouco estudado a fim de representar fielmente a parte mais pobre da população?
  •  Em debates, no que devo prestar atenção? O quanto retórica é importante? Devo descartar um candidato, pois ele não se expressa bem? Devo confiar nos dados expostos ou vale a pena acreditar no que foi exposto a fim de não perder tempo correndo atrás de fontes confiáveis?
  • E quanto a programas de governo? Devo lê-los por mais que a seu conteúdo seja extenso por mais que, talvez, eu não seja informado o suficiente para analisar o que é dito com propriedade? Devo estudar essas coisas a fim de eu mesmo me informar?
  • Devo procurar conhecer os candidatos pessoalmente? Se sim, que perguntas fazer? Comparecer a comícios é o suficiente? Se sim, no que devo prestar atenção?
  • E, quanto a militantes, jornalistas e opinadores? Vale a pena prestar atenção e analisar o que dizem?
  • E quanto à família, amigos e pessoas próximas? Sobre o que devemos discutir? Deveremos nos coordenar de alguma maneira? Ou a busca pelo voto consciente é uma atividade atribuída apenas ao indivíduo? Visto que o voto é secreto, até que ponto ou a que pessoas, posso revelar minhas opiniões ou até que ponto posso levar em consideração as opiniões deles?
  • E a situação política? E os partidos? Quem domina câmara? Quem é a amigo de quem? Que empresas/banco apoiam quem? O quanto preciso saber dessas entidades?
  • Quando posso considerar meu voto consciente? Quais são as condições? O que preciso saber a respeito dos candidatos?

E todas essas perguntas são generalizadas. Quando começa a se pesquisar mais a fundo, surgem ainda mais perguntas. Candidatos possuem especificidades. Por exemplo, se um candidato tiver a ficha suja, devo simplesmente descartá-lo ou devo dar uma chance dependendo das circunstâncias?

É desnecessário responder todas essas questões e não é prático. Entretanto, saber o que perguntar e a que detalhe responder torna-se um problema. Não existe orientação nenhuma por parte do governo (nem por parte de ninguém) nessas campanhas pelo “voto consciente” sobre estas questões.

Onde, com certeza, há desonestidade por parte do Estado é no fato que a dificuldade do votar conscientemente nunca é explicitamente informada. Entenda que a decisão que você faz quando vota é muito mais difícil que qualquer decisão que um parlamentar possa fazer em uma sessão da câmara ou do senado. As pessoas tem a ilusão de que uma eleição é uma espécie de terceirização de decisões, onde se escolhe um político para representar uma maioria em uma assembleia e este político faz as decisões difíceis por eles, enquanto a maioria que o elege faz uma decisão que é mais fácil ou mais simples (enquanto que um político faz decisões a respeito de mil e um assuntos, a maioria se restringe a escolher uma pessoa). Isso é bobagem, visto que escolher uma pessoa consiste em fazer decisões indiretas a respeito de todos esses assuntos. Se essas decisões indiretas não são feitas através do candidato escolhido, o voto feito é tudo menos consciente. Em suma, a decisão mais difícil que você pode atribuir a uma pessoa é fazê-la escolher alguém para fazer todo tipo de decisão por ela. E é, justamente, esse tipo de decisão que é atribuída ao eleitor em cada eleição.

Nessas circunstâncias, o voto consciente não é um mito apenas porque é improvável ou raro, mas porque se torna um ato heroico digno de elogios. Eu, sinceramente, preferiria votar em alguém capaz de realizar um voto consciente, do que em qualquer político que me foi apresentado nessas eleições até agora.

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