Três Parágrafos Sobre Shelter
Parece para mim ser inapropriado escrever qualquer sobre Shelter que leve mais tempo para ler do que o tempo de duração da animação. Portanto, estabeleci para mim mesmo a restrição de escrever apenas alguns parágrafos sobre este anime, ainda que seja possível encher páginas e páginas sobre ele.
A distinção mais importante na minha opinião a se ter em mente ao se assistir à Shelter é a de aspecto versus ação. Uma história, convencionalmente, é no fundo uma coleção sequencial de ações; essa definição já indica que a maneira mais óbvia de se contar uma história é listar as ações mais importantes na ordem em que elas aconteceram. Esse, todavia, não é o caso de Shelter. Sua história pode ser resumida seguindo o método tradicional mais ou menos dessa maneira: Há um pai e sua filha. Os dois vivem felizes, porém isso muda quando um planetoide entra em curso de choque com a terra. O pai, então, decide construir uma nave espacial a fim de salvar a filha da destruição do planeta. Equipa-a com um dispositivo capaz de inserir a filha numa realidade virtual a la Matrix. A filha, então, é colocada na nave e passa a viver nessa realidade virtual enquanto a nave cruza o espaço. Essa pequena narrativa menciona os acontecimentos mais importante da história de Shelter, mas é fácil perceber que ela não captura o que lhe é mais marcante e mais bonito. A razão disso é que Shelter não apresenta uma coleção de fatos, é, na verdade, uma coleção de aspectos. Um aspecto, diferentemente de uma ação, não descreve um acontecimento; tenta, em vez disso, capturar um momento, enfatizando sua beleza ou seu conteúdo emocional, não se importando tanto com a continuidade do enredo e a sequência de fatos. A maneira tradicional pela qual histórias são narrada, geralmente, é associada ao Ocidente e existe desde os tempos de Aristóteles; a outra, a de Shelter, costuma-se associar ao Oriente e possui ares de filosofia budista. Para essa singela animação, e para outras narrativas que seguem esse estilo, é mais interessante mostrar momentos, como por exemplo: 1) o vento soprando nos cabelos da menina em cima de uma penhasco, 2) seus pés tocando nas poças de água em uma floresta, 3) sua perplexidade ao ser apresentada à momentos da sua infância junto a seu pai, 4) o pai levando a filha ao tempo. Portanto, é o conteúdo emocional e a beleza de cada cena que se busca mostrar em Shelter. Os acontecimentos até chegam a ser mencionados, mas eles estão no plano de fundo. Exemplo disso: Ao mesmo tempo que uma imagem mostra a colisão iminente do planetoide com a terra, vemos um pai assistindo à partida da filha. O segundo têm muito mais ênfase que o primeiro. Os sentimentos que o primeiro momento incita são bem mais importantes do que o segundo.
Dessarte, uma narrativa focada em aspectos resiste análise, sobretudo o tipo análise que busque determinar qualidade. Numa narrativa, dá para se seguir todo tipo de critério e metodologia para fazer esse tipo de avaliação. Aristóteles, por exemplo, já diz o que faz e o que não faz uma boa história em seu livro Poética escrito à 2400 anos atrás. Contudo, esse tipo de julgamento não funciona com Shelter porque a animação não realiza o tipo de coisa que o filósofo grego tinha em mente. Dessa maneira, acredito que o jeito mais proveitoso de se assistir à Shelter, é se deixar levar pela estética e pelas emoções que ele se propôe a mostrar, afastando mentalmente qualquer instinto de atribuir-lhe valor moral, porque esse instinto elimina qualque chance de se admirar com que é, de fato, admirável neste anime. Enfim, eu até tenho algumas críticas aqui e ali sobre esta animação e até podemos falar delas em outra oportunidade. Porém prefiro adotar uma atitude Zen por enquanto e dizer apenas que Shelter não é bom, não é ruim, apenas é.