Quem nunca ouviu Red House Painters, um dos grandes acontecimentos do rock dos anos 90, deveria resolver esta pendência existencial.
Ouça a discografia inteira, porque toda ela vale a pena, mas dê um espaço especial no seu tempo ao álbum de estreia, Down Colorful Hill (1992), esta preciosidade sincera.
São apenas seis músicas, todas com mais de 4 minutos, todas intensas, sonambulamente e depressivamente intensas. Naquela época, início dos anos 90, expor sinceridade, sentimentos, angústia e solidão parecia sinônimo de Kurt Cobain.
Não deveria. Kurt Cobain era sincero, de fato. Mas Kozelek era mais. Cobain expôs o que sentia. Kozelek, o líder, vocalista e letrista dos Red House Painters não apenas expôs o que sentia, mas investigou sua alma. Cada música é um mergulho dentro de si, com intensidade raramente vista na história do rock.
O instrumental não é nada espetacular. A música não é inovadora. Nota-se a influência decisiva do folk de San Francisco misturada ao clima decadente oitentista.
Mas e daí?
Red House Painters faz o mais importante, e deve ser por isso que conquistou o fracote do Rauzi: é emoção contagiante e sincera. Em cada letra, em cada nota, em cada suspiro, em cada silêncio você sente Kozelek olhando para o abismo de si mesmo. E isso não é pouca coisa. Não mesmo.
Claro que Kozelek não é qualquer um. Não era um rebelde sem causa. Era um jovem em crise existencial, mas que em vez de deflagrar sua fúria inconsequente contra o mundo tentou entender a si mesmo. É um grande letrista, certamente um dos maiores dos anos 90. Há poesia, há metáfora, há entendimento do mundo secreto das palavras. Não são meramente rimas e frases sem propósito, ou metáforas sem significado, viagens estúpidas a lugar algum, como tantos ‘poetas do rock’ anunciam.
Letra de Medicine Bottle, talvez o ápice desta obra-prima do rock:
Givd sharing my time
Letting someone into my misery
I told it all step by step
How I landed on the island
And how I swim across the sea
And it crosses my mind
That I may awake to a knife in me
No more breath in my hair
Or ladies underwear
Tossed up over the alarm clock
Blood dripping from the bed
To a neatly written poem
Heartfelt last line reading
“There is no more mystery
Is it going to happen, my love?
There is no more mystery
Is it going to happen, my love?”
It’s all in my head, she said
Morning after nightmare
You’re building a wall, she said
Higher than the both of us
So try living life instead of hiding in the bedroom
Show me a smile and I’ll promise not to leave you
It happened under a rainy cloud
Passing through the dark South
We went into a big house
And slept in a small bed
I didn’t know you then
As well as you love me
We talked of our sad lives
And we went off separetely
And we went off separately
I found your overseas souveniers
Holiday greeting cards
And some long forgotten high school fears
It’s all in my head, I said
Banging on the piano
I’ve not been so alone
I thought, since kicking in the womb
I drank so much tea
I put my letters in kanji
Around the block I walked and walked
Pretending you were with me
Not wanting to die out here
Without you
The hurting never ends
Like birthdays and old friends we forget
There is fresh blood and blood is human
Trading phone lines for airlines
Unwilling to face
That love is found on the inside
Not the outside
And like a medicine bottle
In the cabinet
I’ll keep you
And like a medicine bottle
In my hand
I will hold you
And swallow you slowly
As to last me a lifetime
Without holding too tight
I do not want to lose
The thrill that it gives me
To look out from my window
And scowl at the houses
From my world in my bedroom
It’s all in his head, she read
In a girlfriend’s self-help book
It’s all ‘cause he’s making a war with himself
Like two sides with a wall
That separates two countries
He shuts out the world he once knew
To love you
Not wanting to die out here
Without you
Not wanting to die out here
Without you
Sinceridade. Autenticidade. Talvez isto seja a única virtude realmente indispensável para se fazer algo de valor. Eu consigo relativizar a técnica, a complexidade, a originalidade, tudo isso, mas jamais relativizarei a sinceridade. É condição sine qua non para algo de valor. Na verdade a autenticidade já garante a originalidade, em certo sentido profundo. Ao ser autêntico você está dando ao mundo algo que só você pode dar, algo que é seu, irrepetível. Logo isto é obviamente autêntico e original.
Claro que isto não se resume a música.
Última coisa: autenticidade, profundidade, nada disso é sinônimo de depressão, angústia, solidão, sofrimento, dor. No caso de Kozelek era, porque são músicas que nascem da crise que ele vivia, da dificuldade de crescer, de virar adulto. Mas isso não é regra. Há autenticidade na alegria, na felicidade, na diversão, nas coisas simples da vida.
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