Battleshounenlização

DN

Mangás de batalha… sem batalhas?

É difícil imaginar um Battle Shounen que não tenha batalhas visto que um Battle Shounen é chamado Battle Shounen porque é um mangá Shounen que contém batalhas; entretanto, existem maneiras diferentes de conseguir o mesmo efeito sem usar de porradaria ou poderes especiais. Esse texto trata justamente destas maneiras, de como elas afetam o Battle Shounen padrão e como este afeta as anteriores.

A principal ideia a se captar é de que o que mais importa, de fato, num Battle Shounen não são as batalhas. São os valores. Trabalho duro, amizade, persistência, competitividade, rivalidade, hot-bloodness e, por fim, VITÓRIA compoem o conjunto valores que geralmente são enaltecidos pelo Battle Shounen. Batalhas apenas são uma maneira muito conveniente de expressar esses elementos. A coisa que a gente chama de Battle Shounen constitui-se de um formato no qual tudo isso é apresentado.

Não estou dizendo que os valores são a única coisa que importa. Nem que o Battle Shounen, por se tratar apenas de um formato, seja irrelevante. Os autores ainda tem um longo caminho até ser capazes de produzir um bom Battle Shounen. Eles precisam dominar o formato; desenhar bem; criar bons personagens, um bom enredo, boas tramas. Enfim, é necessário fazer essas e outras coisas muito bem até ser capaz de apresentar esse valores através de um BS (vou usar essa abreviação a partir de agora) com competência.

Então, tendo em vista que um BS trata-se de um formato, é natural pensar que existem outros formatos possíveis capazes de veicular as mesmas ideias. Eles só não são tão comuns quanto o BS.

É espantoso notar o quanto essa mistura de vilões, herois, super-poderes, lutas, etc, e os clichês que acabaram por advir disso (Deus Ex Machina, Protagonismo, Salve a Princesa, Timskips, Treinamento, etc) é tão conveniente. Sendo sucinto, a combinação de juventude, heroísmo e violência é explosiva. Isso não é exclusivo do BS, as comics americanas, filmes e muito da literatura juvenil também usa esses elementos para transmitir os mesmo valores.

Por ser tão conveniente, o BS tornou-se muito popular. E isto, por sua vez, culminou na super-exploração do gênero. Existem muitos mangás desse estilo. Mangás até demais sendo que vários deles são mundialmente famosos. É uma supersaturação desse tipo de conteúdo. Todo mundo que acompanha mangás já leu BSs. Todo mundo já conhece a fórmula e a maioria dos truques que são usados. E, consequentemente, muita gente já está cansada deles.

É por causa disso que vale a pena tentar coisas diferentes. Coisas que não são Battle Shounen, mas que ainda se pareçam de alguma maneira.

A Tendência Obata

O que Obata Takeshi fez, desde Hikaru no Go, passando por Death Note e chegando a Bakuman (estes dois últimos em conjunto com Ohba Tsugumi), são mangás que contém conflitos, mas esses conflitos não se caracterizam como batalhas, pelo menos, não da forma típica do BS com socos, chutes, lasers, etc. Os conflitos se desenrolam através de outros meios.

Em Hikaru no Go os personagens enfrentam-se usando Go, um jogo de tabuleiro. Em Death Note, com o próprio caderno, enigmas, estratégias, recursos policiais, etc. E, em Bakuman, fazendo mangás. O resto dessas obras consiste de elementos que são bastante vistos em BSs. Coisas como rivais, competições, torneios, vilões, heroísmo, etc.

Um ponto interessante das obras do Obata é que, com exceção de Death Note, elas nunca vão muito fundo nos meio usados para resolver os conflitos. Em Hikaru no Go, nunca é explicado como se joga Go. Em mais de 20 volumes, o mangá raramente cita as regras do jogo, jogadas e estratégias. Algo parecido é visto em Bakuman onde até é visto explicações de alguns conceitos do mundo mangaka (ToCs, Names, Editor, Cancelamento, etc), porém a obra nunca explica detalhadamente as competências de um mangaka sejam elas desenho, estudo de mercado ou elaboração de roteiro.

Até mesmo em Death Note isso é observado. Ainda que as regras do caderno sejam bem conhecidas e respeitadas, o título nunca elabora as características da força policial que o L pode mobilizar. Muito menos a burocracia pela qual o detetive tem que passar se quiser usar essa força. Pode parecer chato (e, de fato, é, motivo pelo qual os criadores talvez nunca tenham feito isso), mas seria algo necessário se Death Note quisesse ser mais “realista”.

Essas obras não ficam ruins porque os criadores desprezam esse aspecto. Hikaru no Go se sustenta muito bem ignorando o jogo em si e se focando na mentalidade, motivações, dramas e decisões dos personagens. Através destes, o mangá consegue veicular com sucesso os valores do mangá Shounen.

HNGCartas e Monstrinhos

Yu-Gi-Oh, Pokémon, Digimon, Beyblade, Medabots (SOCO SUPREMO DE NOSTALGIA) são obras que incorporam essa tendência de caminhar fora do caminho do Battle Shonen. Não caminham longe a ponto de não ser mais capazes de veicular os valores e de usar os truque de um BS comum, mas ainda é o suficiente para colher alguns frutos dessa iniciativa.

A ideia de pets batalhando enquanto que os donos ficam responsáveis pela estratégia não é nova. Não é muito diferente do BS porque ainda existem lutas e super-poderes; no entanto, isso permite que o protagonista não seja necessariamente um personagem especial. Alguém mais fácil de se identificar e de se por no lugar.

Essa nova característica combinada ao fato de que essas obras tem um potencial comercial natural (seja na forma de cartas, piões, ou games) garante uma boa chance de sucesso a elas. Diferente de um BS comum, alguém que assista Yu-Gi-Oh pode muito bem correr para o camelô mais próximo e comprar baralhos e, em outra oportunidade, jogar com os amigos. Em outras palavras, a possibilidade de alguém que está assistindo Yu-Gi-Oh ser o Yugi é bem mais plausível do que tentar se imaginar como o Goku de Dragon Ball. Não tem como um garoto conseguir poderes especiais e se transformar em um Super Sayajin; contudo, jogar cartas é outra história.

Muitas vezes, esse tipo de obra é planejada tendo em vista o pacote completo. O autor já faz a obra pensando nos brinquedos e vice-versa. E esse tipo de prática ganha bem mais força tornando os “meios de conflito” da obra mais palpáveis ao público-alvo. É algo que só pode ser feito afastando-se do Battle Shounen comum, mas que, de qualquer forma, pega coisas emprestadas do mesmo.

Apesar de que coisas como Pokémon e Hikaru no Go sejam bem antigas, elas ainda não são pioneiras nessa tendência de imitar o Battle Shounen. Na verdade, esse título pertence aos mangás de esporte que, de tão antigos, se confundem com Battle Shounen no momento em que se tenta discutir quem veio de quem.

YGOMangás de Esporte

Há quem diga que esportes em si sejam uma espécie de simulação de guerra. Nós praticamos esportes para resolver nosssas rixas e competir sem que exista a possibilidade de um dos participantes morrer. Acredito que seja possível traçar uma relação parecida entre Battle Shounen e Mangá de Esporte.

Mangás de Esporte são tão bons em carregar os valores quanto os próprios BSs. Há competição, há rivais, pode haver, até mesmo, poderes especiais e vilões. Em muita oportunidadade, os dois gêneros são tão parecidos que existem mangás nos quais eles se confundem como, por exemplo, Air Gear e mangás de Artes Marciais em geral.

Enquanto que Battle Shounen oferece mais fuga da realidade e acontecimentos mais “fantásticos”, Mangás de Esporte apresentam mais realismo e um universo mais aplicável à realidade do leitor. É a mesma lógica por trás das obras de cartas e monstrinhos: para fazer algo que protagonista esteja fazendo, você só precisa de uma bola, um par de luvas ou seja lá qual for o equipamento que o esporte exigir. Além disso, são atividades comunitárias em que você não só pode praticar o esporte com amigos, como também discutir com eles a respeito do mangá daquele esporte.

Essa ideia de indetificabilidade com a obra e compartilhabilidade de assuntos da obra é chave para a popularização da mesma. Mangás de Esporte naturalmente usam isso e obtem sucesso. É algo tão forte que BSs começaram a usar.

GKSistema RPGísticos

Um sistema que regule os poderes e as regras de batalhas de um BS, a príncipio, pode parecer não necessário. Afinal, muito títulos se deram bem aplicando lógicas bem soltas às suas batalhas (Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball e One Piece são exemplo de sistemas de batalha frouxos). Porém, um sistema mais complexo e rígido pode oferecer as suas vantagens.

Acredito que um dos elementos que ajudou a popularizar Naruto foi justamente o seu sistema que regula os poderes dos ninjas. As ideias de jutsus, selos de mão, chackra, controle de chacrka, invocações, elementos, Kekka Genkai são ótimas. Esse sistema sem as distorções e bizarrices que o autor aplicou mais tarde é genial. Permitiu que qualquer leitor pudesse se envolver com a obra. Seja se imaginando como um ninja ou brincando e discutindo com os amigos a respeito da obra.

Como o sistema é rígido e, de certa forma, previsível, ele permite que o leitor explore mais da obra. Se dois personagens lutarem e o leitor conhecer mais ou menos as características desses personagens, ele pode prever o resultado da luta, criar teorias a respeito dela, discutir a batalha com outros. Isso sem levar em conta toda a estética e cultura que o Kishimoto criou em volta disso. As bandanas, as vilas ninjas, os monstros, linhagens de ninjas, a história em geral. Tudo isso é muito interessante e, ao mesmo tempo, que é muito diferente da realidade do leitor ainda é palpável. Por fim, você, leitor deste blog, escute a sua criança interior e me responda: É mais legal brincar de ninja de Naruto ou de pirata de One Piece? Por mais que, talvez, você não concorde, eu acredito que a resposta seja Ninja.

E é através dessa resposta que se entende porque Naruto é tão forte fora do Japão. One Piece, dentro de terras nipônicas, sempre teve um marketing poderoso em cima. Surgiu como sucessor de Dragon Ball e salvador da Jump. E, por mais que, de fato, seja fantástico, Naruto acaba se sustentando melhor sozinho. Oferece uma realidade mais envolvente do que a apresentada em One Piece.

Isso não surgiu do nada. Perceba que Naruto não é o único Battle Shounen com sistema de batalha complexo. HunterXHunter também tem um sistema bem complicadinho. E os animes e mangás de cartas e monstrinhos idem. Yu-Gi-Oh se baseia no jogo de cartas real. O mesmo vale para Pokémon e o jogo de Game Boy. E, para dizer a verdade, os pioneiros em desenvolver um sistema RPGístico são, novamente, os Mangás de Esporte.

É engraçado imaginar isso, mas é possível ver esportes como sistemas rpgísticos. Eles tem regras, limitações, história. E, diferente de um sistema novo de um Battle Shounen, ele já é conhecido não só pelo leitor, como também por pessoas comuns.

Com um sistema já definido, basta ao autor ser capaz de tirar o melhor dele. Mostrar que partidas desse esporte retratadas no mangá podem ser legais e empolgantes. O mesmo vale para Battle Shounens.

HKUOutside The Box

Para ser sincero, não existe muito o que se deva fazer. É óbvio que existem propostas mais interessantes e estas podem ser a chave do sucesso comercial; entretanto, uma boa ideia não carrega um mangá pobre em qualidade. É bem possível criar uma boa obra retratando o dia a dia de vacas pastanto no campo. Pode parecer chato, mas acredito que com suficiente amor e habilidade é possível tornar, até algo como isso, interessante.

O que alguém não deveria fazer é tentar o que todos os outros já fizeram e fazer de maneira medíocre. Esse tipo de obra não oferece nada novo ao leitor. Ele já viu tudo isso antes e tudo isso bem melhor feito. É óbvio que ele não se interessaria. Muitos BSs se encaixam nisso e seja, talvez, por este motivo, que o gênero pareça tão desgastado.

Mesmo assim, ainda é cedo para pensar que BS esteja morrendo. Trata-se de um gênero já muito padronizado e repetitivo. Para consertar isso, é preciso de transformações. Pensar um pouco fora da caixa. Arriscar mais. As recompensas podem ser grandes. Afinal, apenas o formato pode perder a sua eficácia, os valores, nunca.

HJ

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5 respostas para Battleshounenlização

  1. Ever disse:

    Eu tinha lido metade do texto, mas por motivos de força maior, tive que parar. Mas hoje fiz questão de ler o resto.
    Bom texto. Estou esperando a próxima obra da dupla Oba e Obata pra ver o que eles vão aprontar dessa vez. Outro mangá de batalhas sem batalhas, ou talvez um BS remasterizado, ou outra coisa fora da tendência deles. O que acha?
    E ri alto quando cheguei na parte “O que alguém não deveria fazer é tentar o que todos os outros já fizeram e fazer de maneira medíocre” e vi uma imagem de Hungry Joker, haha.

    • erequito disse:

      Eu gosto do método e dois temas de Obata + Ohba. Seja lá o que eles fizerem, vai ser bom. Pelo menos, no começo. Eles costumam pegar um tema única (ou pouco explorado em shounen) e fazer um bom trabalho em cima (personagens sólidos, bom enredo, bons temas, arte do carai). Eles podem se perder no decorrer da série (o que aconteceu com ambos DN e Bakuman),

      O problema é que a Jump de hoje em dia é mais infantil do que na época de DN E Bakuman. A SQ não existia na época e, agora que existe, é o lar desses shounens mais sérios (mas que não chegam a ser seinens). E há uma grande chance do trabalho da dupla se encaixar bem mais na SQ do que na Jump. DN só foi publicado na WSJ porque a SQ não existia na época. O negócio é a cara da revista.

  2. Bom texto. Só um detalhe: Yu-Gi-Oh! não é baseado no cardgame, mas sim o cardgame que é baseado em Yu-Gi-Oh! O autor inventou o jogo de cartas para o arco do Reino dos Duelistas, tanto que no começo o jogo se chamava Magic & Wizards. O jogo também foi modificado depois, virando o conhecido Dual Monsters, no arco Battle City. Tanto que é por isso que existiam várias inconsistências entre o desenho e o jogo. No Reino dos Duelistas (arco mais famoso de Yu-Gi-Oh!, pelo menos no brasil), o jogo estava num estágio “1.0”, enquanto o jogo vendido nas lojas já era o “2.0”. Também vale citar que no começo Yu-Gi-Oh! não era sobre cartas, mas sim sobre jogos mentais variados. O card game surgiu, originalmente, apenas para ser usado pelo personagem Kaiba, mas talvez por perceberem o grande potencial comercial de um mangá de card game, os editores podem ter forçado o autor a fazer o um arco inteiro sobre o jogo. Tanto que posteriormente o autor até tenta introduzir novos jogos ao mangá, como Dice Monsters, mas o marketing acaba falando mais alto. Só no arco final que aparentemente se foca menos nos cards. (puro achismo, só li o 1º volume do mangá de Yu-Gi-Oh!)

    Enfim, fica aí a curiosidade.

  3. Pingback: Death Note e o valor do tédio | All Fiction

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