“I XXXX you.”
Usotsuki Mii-kun to Kowareta Maa-chan (em tradução livre, O Mentiroso Maa-kun e A Quebrada Maa-chan) é uma série de light novels escrita por Hitoma Iruma (Denpa Onna to Seishun Otoko, aparentemente o ilustrador de Sasami-san@Ganbaranai: entramos no reino de pseudônimos e indústrias sem tradução, pouca coisa é certeza) e parcialmente adaptada para mangá por Atsunori Satou em 2010 na revista Young Ace (Evangelion, Gunbuster, Fate/Zero). O mangá leva o título de Usotsuki Mii-kun to Kowareta Maa-chan Totteoki no Uso (em tradução livre, O Mentiroso Maa-kun e A Quebrada Maa-chan: Preciosas Mentiras), e ele é o foco do post.
A história se passa numa cidade rural japonesa onde sequestros e assassinatos aconteciam e acontecem com certa frequência. Oito anos atrás, um garoto e uma garota foram seqüestrados e sofreram o inferno nas mãos do seqüestrador. A história começa quando o garoto, Mii-kun, e a garota, Maa-chan, se reúnem novamente.
Esse é um mangá… difícil de escrever sobre. Por dois motivos. O primeiro é meio que uma consequência do segundo, mas primeiro vou falar dele. Acredito que, pra você apreciar plenamente Mii-kun/Maa-chan (abreviarei o título assim a partir de agora), você tem que ir até ele cego. Ver o que virá sem expectativas definidas, sem idéias formadas, apenas com o pensamento de ler o mangá e absorver o que ele tem a oferecer. Não que esse tipo de pensamento não seja importante em praticamente toda obra, mas talvez tenha um destaque em Mii-kun/Maa-chan. Talvez seja apenas eu tentando forçar o jeito que eu fiz na visão dos outros, mas acredito que seja algo a mais. Enfim.
Esse post é basicamente uma recomendação (acredito que pouca gente leu esse mangá), então, se me usasse como parâmetro, talvez eu pudesse parar por aqui. Com o que você leu até agora, já sabe tudo e ainda mais do que eu sabia sobre o mangá antes de lê-lo. Eu não sabia que era baseado em light novel, não sabia a revista em que foi publicado. Pra ser sincero, eu só li a sinopse depois de ler o mangá. Estranho, não é? Tudo que eu conhecia era o título. Bom, o título e a capa. Então, eu vou deixar a capa aqui, porque ela foi grande parte do que me fez ler o mangá. Talvez “não julgue um livro pela capa” seja verdade, mas em mangás, acho que me deu mais vantagens que desvantagens.
E aí está. A cada vez que olho, fico um pouco mais fascinado. Talvez seja só viagem minha, mas a própria natureza da imagem parece mudar a cada movimento dos meus olhos. Se eu presto atenção na boca, a Maa-chan (essa é ela: outra informação que eu não tinha, apesar de essa ser bem óbvia) parece sorrir levemente. Se troco de foco para a testa, noto certo risco perto das sobrancelhas que parece dar uma expressão de raiva ao rosto. Mudo um pouco o olhar e a expressão se torna de desdém por causa das sobrancelhas; mais um pouco, e as manchas debaixo dos olhos fazem aparecer certa vergonha. Não tenho ideia se tudo isso era intenção do artista, nem ao menos se outras pessoas verão. Provavelmente é loucura minha, mas eu vejo.
Nos meus olhos, essa imagem só tem uma constante, o objeto que Maa-chan está segurando. Mas isso não era muito definitivo, pois não dá pra ver todo o objeto. Eu nem conhecia a sinopse, não tinha nem base para especular. Era uma panela? Uma faca? Uma maçaneta? Eu não tinha como saber. Até essa constante era imprevisível.
E agora que você sabe mais do que eu sabia antes de ler o mangá, vá ler, oras. E depois volta, o post ainda não acabou. Mas, por enquanto, vá ler. Se isso não foi o suficiente, bom, dê outra olhadinha na capa. Faz uma força, vai.
Oi de novo. Se você foi e está de volta, obrigado. Se não foi, tudo bem, eu meio que já esperava isso. Nem todo mundo é doido que nem eu. Mas sem problemas, o resto do texto também serve pra quem não foi. Nada de spoilers, relaxe.
Hora de falar o segundo motivo pelo qual esse mangá é difícil de escrever sobre. Todo o meu raciocínio sobre ele se fundamenta numa aparente contradição: Mii-kun/Maa-chan é direto, mas ao mesmo tempo é enigmático. Em dois “campos de atuação” diferentes, é verdade, mas direto e enigmático mesmo assim.
Mii-kun/Maa-chan é enigmático por um único fator, basicamente: o papel do Mii-kun como narrador. Como o título já diz, Mii-kun é um baita de um mentiroso. A cada verdade que ele nos apresenta (seja por meio de diálogos com os outros ou pela narração mesmo), existem várias mentiras, meias-verdades, omissões de fatos cruciais e coisas que nem mesmo o próprio Mii-kun pode definir o que são (seria muito melhor se você não soubesse que ele não é tão confiável antes de ler, mas se você não foi ler quando falei, o que posso fazer?). Pra piorar a situação (e melhorar o mangá), Mii-kun/Maa-chan não tem aqueles personagens convenientes, os chamados “orelhas”, que não entendem o universo e recebem a explicação que servirá pra nós, leitores. Nossa única fonte de informação é esse narrador nada confiável, o que torna todas as relações interpessoais um pouco vagas. Sabe aquele “I XXXX you” no começo do texto? Pois é, ele nunca é “traduzido”. A interpretação é de cada um, não dá pra definir uma verdade. Ambíguo. Enigmático.
Mas ainda assim, direto. Como? Bom, é direto em outro sentido. Apesar de todas essas ambigüidades, apesar de você nunca saber exatamente o que aconteceu com aqueles personagens, Mii-kun/Maa-chan não tem o menor medo de mostrar como isso influenciou todos eles. As causas são obscuras, mas as consequências são sempre dolorosamente claras. Não sabemos com detalhes (não de início, pelo menos) como foi o sequestro de Mii-kun/Maa-chan, mas podemos ver muito bem o quanto isso foi danoso pros dois. Aliás, isso já começa no título: Mentiroso Mii-kun, Quebrada Maa-chan (e, ah, não pensem que Mii-kun não está quebrado). O mangá usa pouquíssima sutileza nesse sentido, e te lembra constantemente que tem MUITO errado com esses dois. A simplicidade da arte ajuda nesse sentido. Aquela ambiguidade que citei na capa não é tão presente no mangá em si. No Mii-kun, de vez em quando, mas na Maa-chan, quase não existe. Ah, existem camadas nela, mas apenas uma é mostrada por vez, e a arte assegura que são mostradas de forma terrivelmente clara.
Pra fazer uma analogia, é como se Mii-kun/Maa-chan fosse um talentoso arremessador de beisebol (em inglês, pitcher, pra quem manja), e o leitor estivesse encostado numa parede para servir de alvo. Você não sabe se ele vai mandar uma bola alta, uma bola baixa, uma bola rápida, uma bola com efeito, você não tem a menor noção de como ele vai jogar. Mas uma coisa não muda: ele vai te acertar.
Está tudo muito bem até agora, mas vamos entrando na parte chata. Eu estaria mentindo se falasse que esse mangá é perfeito, ou até que passa perto de ser perfeito. Não é, não passa, e por um simples motivo: ele sofre com a mudança de mídia. É uma história originalmente pensada para light novel, e dá pra notar isso. Existem personagens periféricos que provavelmente se dão melhor na mídia original, provavelmente têm arcos de desenvolvimento mais longos que dão um propósito para eles. Mas esses arcos não existem no mangá, e esses personagens periféricos não são tão bons quanto podiam ou deviam ser. Além disso, ele tem um clima muito forte de one-shot, de primeiro capítulo, de “introdução” ao mundo; introdução que nunca tem, em mangá, o desenvolvimento e conclusão que poderia ter. Ah, ele funciona muito bem como volume fechado, mas consigo ver que funcionaria ainda melhor como começo de uma série.
Ainda assim, Mii-kun/Maa-chan tem muitos mais acertos que erros, e esses acertos não são ofuscados. Se fossem, seria um mangá muito mais tranquilo do que é. Mas o brilho da obra está em manter o véu aberto e dor e impacto expostos a todo o momento. Em nenhum momento ele tira tudo do seu campo de visão, e nos grandes momentos, tudo é esfregado na sua cara, para que você nem possa tentar ignorar. O fato de que eles estão “quebrados” permeia todo o mangá, e é passado com uma vivacidade realmente notável.
Em suma, esse é um mangá que usa de maneira inteligente técnicas de narração incomuns (não necessariamente originais, mas também não são coisas que se vê todo dia) e conta uma das histórias mais verdadeiras sobre abuso infantil (não necessariamente no sentido sexual) que já vi. Em um único volume, que dá pra ler em menos de uma hora. É muito difícil não recomendar isso.
E se você ainda não está convencido, bom, dê outra olhada na capa.
Li esse mangá há… vejamos, uns 6 ou 7 meses, talvez. Me lembro que, quando li, fiquei sem entender muita coisa… não só porque o Mii-kun é um mentiroso, mas também porque eu li a obra naquele estado “semi-desligado”, em que parecemos só captar as informações básicas da trama, lol. Mas lembro, também, que mesmo tendo ficado confuso em alguns pontos, gostei bastante do mangá, até. Aliás, li essa obra já pensando em fazer um texto sobre, mas acabei desistindo porque… bom, você sabe. Admiro muito sua coragem em fazê-lo, heh, o texto ficou bem legal e criativo.
Hehe, li o mangá pra poder ler o resto do texto, não posso deixar de comentar. Gostei muito e não posso deixar de concordar com seu texto. O mangá é bem direto mas tem várias ambiguidades principalmente por causa do “mii-kun”.
Uma coisa que senti falta nesse mangá foi um melhor desenvolvimento dos personagens mais secundários, como você disse isso se deve da obra já ser uma adaptação de uma LN (que eu fiquei com vontade de ler).
O final deixou um gostinho de quero mais, queria saber o que acontece com o Mii-kun e a Maa-chan depois. No mais, ótimo texto e obrigado pela recomendação. xD