Ou “como bancar o cult em cima do mangá mais mainstream do planeta”.
One Piece é um mangá criado por Eiichiro Oda e publicado na Shonen Jump blábláblá. Mangá mais vendido de todos os tempos blábláblá. Poupo-me de fazer uma introdução técnica desnecessária, todo mundo e suas mães conhecem One Piece. Mas algo que captei discutindo sobre o mangá pela internet afora é que muita gente tem um monte de conceitos sobre o mangá que considero muito, MUITO errados. Então, pra isso criei esse texto: a minha tentativa de explicar o que é (ou, pelo menos, o que eu acredito que seja) One Piece.
Em primeiro lugar, vale ressaltar uma informação: One Piece, por ser publicado na Shonen Jump, é um mangá shonen. Generalizações do tipo “ah, shonen é lutinha de poder, seinen é sexo e sangue” são inúteis, pra não dizer erradas. E, portanto, a única informação que extrairei do fato de One Piece ser um shonen é a única informação que posso tirar: o público alvo de One Piece é infantil. Não faz sentido negar, é uma história para crianças.
Vou pegar emprestadas palavras de C. S. Lewis, o autor de Crônicas de Nárnia, em seu pequeno texto “Três maneiras de escrever para crianças”. Mais especificamente, o trecho apresentando a terceira maneira.
“A terceira maneira, a única que sou capaz de usar, consiste em escrever uma história para crianças porque é a melhor forma artística de expressar algo que você quer dizer. Do mesmo modo, um compositor pode criar uma marcha fúnebre, não em vista de um funeral público, mas porque certas idéias musicais que lhe ocorreram se encaixam melhor nessa forma. Esse método pode ser aplicado a outros tipos de literatura infantil, e não só às histórias. Ouvi dizer que Arthur Mee nunca conversou nem quis conversar com uma criança. Na opinião dele, era pura sorte os meninos gostarem de ler o que ele gostava de escrever.”
Pelo bem da concisão, só citarei esse trecho, mas se tiver tempo, leia todo o texto do Lewis. É extremamente interessante. Sério, pode ir ler agora, o Google te ajuda a encontrar.
Enfim, você pode estar se perguntando por que citei isso. É simples. Acredito que Oda é um usuário da “terceira maneira de escrever para crianças”. Oda escreve sua obra para crianças porque é a melhor maneira de contar sua história e de expressar suas idéias.
“E sobre o que diabos o Oda escreve, afinal? Quais são essas idéias que precisam ser expressas em One Piece? O que ele faz na Shonen Jump que não poderia fazer em outro lugar, com outro roteiro, outro mundo e outros personagens?”
Bom, esse é o tema do post.
O que é One Piece?
Em primeiro lugar, vamos falar sobre o universo de One Piece, os arredores físicos e psicológicos da obra. É um universo relativamente sério. Ele não está aí para levantar questões existenciais extremamente profundas e complexas, mas ele é sério. Pontos de vista interessantes sobre a justiça, referências a xenofobia e outros problemas sociais, diversas conspirações abaixo da superfície sendo levantadas pouco a pouco. Se o personagem central da obra fosse sério (e personagens sérios no pano de fundo do mangá não faltam: um Crocodile, um Eustass Kid, um Akainu, um Doflamingo) One Piece poderia ser facilmente uma obra séria.
E que comece logo o arco desse cara
Mas não é, como acredito que qualquer um que lê o mangá pode perceber sozinho. O “por que”, C. S. Lewis já deu dicas, deixarei mais claro depois. Mas primeiro, o “como”.
One Piece não é uma obra séria por causa de seus personagens principais, os dez (que, ou pelo menos espero que, serão onze quando Jinbei se juntar oficialmente) membros dos Straw Hat Pirates: Luffy, Zoro, Usopp, Sanji, Nami, Chopper, Vivi (alguém estranhou a conta por causa dela, eu aposto), Franky, Robin e Brook. Porque esses dez são crianças. O que os move na jornada do bando é sua infantilidade, seus objetivos infantis. Isso se aplica para todos os dez, e isso explica tudo sobre o mangá.
Faça o seguinte: pense sobre crianças. As que talvez sejam um pouco mais antigas, mais “clássicas”: as que brincam na rua, as que brigam na escola, as que são retardadas, fazem besteira e nem ligam ou nem entendem. Pode ser um parente mais novo bagunceiro, um amigo de infância, você mesmo um tempo atrás, a Emília do Monteiro Lobato, tanto faz. Coloque aquela criança clássica na cabeça.
Pronto? OK. Continuando, vamos recapitular os objetivos de cada membro do bando, só para refrescar a memória. Zoro quer ser o melhor espadachim do mundo. Usopp quer ser um grande guerreiro do mar. Sanji quer encontrar o All Blue. Nami quer desenhar um mapa-múndi. Chopper quer curar todas as doenças. Vivi queria salvar seu país. Franky quer fazer o melhor navio do mundo. Robin quer descobrir a verdade sobre o século perdido. Brook quer dar a volta ao mundo e encontrar a baleia de quem se separou anos atrás. E Luffy quer ser o homem com mais liberdade no mundo, o Rei dos Piratas.
Com a criança clássica na cabeça, é fácil notar que esses objetivos são coisas bem de criança mesmo. Em conceito (todos eles são o tipo de coisa absurda e inviável com que crianças normalmente sonham: vale lembrar que conhecer o mundo de One Piece inteiro é quase impossível, e dar a volta nele também), mas também em apresentação. Você nota que todos os Mugiwaras têm um passado difícil, uma situação extremamente complicada. Como exemplo, Zoro. Quando criança, Zoro prometeu a Kuina que o melhor espadachim do mundo seria ele ou ela. Uma promessa infantil. Na manhã seguinte, quando ele acorda, a vida lhe dá um baque de realidade bem comum, e a Kuina está morta. Uma morte estúpida e imbecil, como só a vida comum oferece. Muitos cresceriam forçadamente com essa situação, e, olhando apenas para o comportamento, parece ser o caso com Zoro. Mas, no fundo, o sonho infantil de ser o melhor espadachim do mundo se mantém vivo, motivando cada ação do espadachim.
Outros exemplos seriam Franky, Chopper, Sanji, Luffy, Brook e talvez Usopp, que passam por praticamente a mesma situação, com diferenças (importantes, mas seria impossível eu destacar todas em um texto razoavelmente legível) aqui e ali. Mas, no fim das contas, todos os personagens principais de One Piece levaram uma porrada violenta da vida, e esses sete reagiram assim. Mas os três Mugiwaras que não citei (coincidentemente, as três mulheres, Nami, Vivi e Robin) passaram por uma situação diferente. Com essas três personagens, e em seus arcos de destaque (Arlong Park, Alabasta e Water 7/Ennies Lobby), que eu considero os três melhores momentos de One Piece, o mangá mostra sua verdadeira cara.
Vamos começar com Nami e o Arlong Park de exemplo. Pra quem não lembra, Nami e Nojiko eram filhas adotivas de Bellemere, e viviam na beira da fome. Nami adorava navegação, sonhava em fazer um mapa-múndi e era extremamente ingrata e babaca com sua mãe e irmã. O bando do Arlong chega cobrando taxa por vida, e Bellemere se sacrifica para que suas filhas vivam. Nami, por ser uma navegadora promissora, é forçada a fazer trabalho escravo para Arlong (que a essa altura, manda na porra toda). Mesmo assim, o tritão faz um acordo: se ela pagar 100 milhões de berries (vulgo “dinheiros de One Piece”), a vila será libertada. Então, Nami, extremamente nova, toma a responsabilidade de salvar a vila para si, roubando piratas a torto e a direito para tentar juntar a imensa quantia.
Essa recapitulação deve ter ilustrado o suficiente, mas a questão é a seguinte: Você já deve ter ouvido falar que as mulheres amadurecem mais cedo que os homens. Verdade ou não no mundo real, é verdade em One Piece. Nami, Vivi e Robin levaram uma porrada violenta da vida, mas não reagiram como os machos do bando. Elas tiveram que crescer e deixar o idealismo de lado (também existem diferenças entre as três, claro, mas, não dá pra falar de tudo). É o que Nami faz. A morte de Bellemere e a escravidão é a porrada da vida, e a responsabilidade de salvar a vila é crescer. Que sentido tem um sonho infantil quando a vida exige que você seja adulta? Nenhum.
Nenhum, até a aparição do bando dessas crianças, e, principalmente, seu líder.
Luffy é uma criança, no sentido mais puro da palavra. Nada define mais uma criança do que a liberdade, a facilidade de ir, vir e fazer o que diabos der na telha. E essa é a maior paixão do líder dos Mugiwaras, o que motiva seu objetivo: ser o homem mais livre de todos, que é, na visão dele, o Rei dos Piratas. A simplificação do possível problema (“se eu ficar mais forte, ficarei mais livre”) também é bem infantil. A ânsia por liberdade pode até soar um pouco lógica demais para uma criança, mas Luffy joga essa interpretação pro alto com seu comportamento e visão de mundo, ambas muito infantis.
Estritamente falando, talvez Luffy não seja um bom personagem. Ele raramente sofre desenvolvimento como personagem, por exemplo. E isso não é realmente um grande problema, porque ele não precisa realmente ser um personagem excelente. O papel principal dele é ser um conceito e um plot device ambulantes. E como conceito e plot device, Luffy é excelente.
O conceito do Chapéu de Palha já foi explicado: ser completamente criança. É fundamental para o roteiro de One Piece que ele seja tão infantil assim, porque é isso que mantém a força do papel dele como plot device, e é o papel dele como plot device que molda o mangá.
“E qual é o papel do Luffy como plot device?”. O papel dele é motivar a mudança dos outros. Ele age (inconscientemente, claro: crianças não pensam sobre isso) como emissário da criancice ao redor do mundo. Com sua estupidez, seu sorriso de orelha a orelha, e, porque não, com sua força física, o Mugiwara principal espalha a noção de que ser infantil é bom, é válido, e é de vital importância para as pessoas.
Voltemos ao Arlong Park. Nami tentou carregar o mundo nos ombros. Tentou assumir a responsabilidade pela vida de todos. Nami tentou ser séria, ser responsável, cuidar dos problemas, consertar erros. Nami tentou ser adulta demais, e com a traição de Arlong, Nami perdeu. A Nami adulta morre na cena que eu não preciso descrever, porque, de vez em quando, vídeos falam bem mais que palavras. Mas você faria bem em reassistir, porque nunca é demais.
Apenas segundos depois, a Nami criança renasce, graças ao Luffy. O chorado “me ajuda” é a Nami reconhecendo todos os erros que ela cometeu. Ela sabe que algo deu terrivelmente errado, e não sabe o quê (no nível que mencionei, talvez ela não saiba até hoje) ou como consertar. E Luffy, ao entregar o chapéu de palha, ao entregar o maior símbolo físico da infantilidade e dos sonhos no mangá inteiro (com a possível exceção do próprio Luffy), entrega a resposta. O capitão dos Straw Hat Pirates, ao ir atrás de Arlong sem ao menos saber quem é o tritão, qual sua força, ou se importar ao menos um pouco com isso, É a resposta. Ele representa e encarna o que Nami precisa ser. E ele vence.
Claro, a força física é importante. Se Luffy não fosse forte, não conseguisse resolver os problemas sendo forte, sua ideologia infantil seria enterrada junto com ele. Mas a força física não é tudo. Nico Robin era, e é, extremamente forte em termos físicos. Mas psicologicamente, ela era adulta demais para lidar com sua situação. Morrer para poupar os outros da dor era o que um adulto racional poderia fazer. Enfrentar tudo que há de mais poderoso no mundo para salvar a vida de uma pessoa que decidiu morrer é o que uma criança poderia fazer, e é o que a criança faz. E, representando o objetivo mais importante do mangá, é o que Luffy ensina os outros a fazer.
Na tradução da Panini está bem melhor, mas enfim
A navegadora que aprende a não suportar tudo sozinha, a princesa que aprende a apostar a vida dos outros, a arqueóloga que aprende a ter amigos, os habitantes do céu que aprendem a confiar numa lenda, e, por que não, o cozinheiro que quer encontrar um mar lendário, o carpinteiro que volta a querer construir o melhor navio do mundo, o músico que quer reencontrar uma baleia, entre tantos outros. Todos eles são reerguidos por essa criança com um chapéu de palha, e por sua atitude infantil que contamina o mundo por onde ele passa. Essa ideia inconsciente de deixar o mundo menos realista e mais sonhador, menos responsável e mais porra-louca, menos adulto e mais infantil.
De que maneira Oda poderia contar isso tão bem, se não numa história para crianças?
“Toda vez que o adulto fraqueja ele vem pra me dar a mão”
One Piece está quase alcançando a marca dos 70 volumes, 700 capítulos e 14000 páginas de um mangá com uma quantidade de texto entre mediana e grande. Temos uns 15 arcos de história consideravelmente independentes, cada um com seus personagens, seus roteiros principais e suas motivações. Esse mangá é quase da minha idade.
Se você pensou que esse texto seria uma review completa de One Piece, você é louco. A ideia não é essa. Eu joguei pra quem ler esse texto uma base para interpretação do mangá (talvez você já tivesse chegado em algo como ela sozinho: mérito pra você). Uma base que eu acredito que esteja bem fundamentada e seja, no mínimo, razoável. A essa hora, você, leitor, deve estar dividido entre um desses três grupos.
1) Você pode estar totalmente indiferente a essa possibilidade de interpretação, e, nesse caso, me perdoe por gastar o seu tempo e vá tomar no cu, indiferença a esse tipo de coisa é o pior caminho possível. Outros textos podem seguir a mesma linha, fuja.
2) Você pode discordar dessa interpretação, o que é perfeitamente válido SE você tiver motivos. Se for o caso, diga seus motivos. Sou um cara teimoso e entediado, provavelmente discutirei o caso. Quem sabe ainda posso te convencer (ou você me convencer).
3) Você pode concordar. Nesse caso, leve essa interpretação além. Não fique só pensando “ah, é isso, verdade”. Pense nas implicações disso. Em certo personagem, em certo momento, em uma teoria que você tem para o futuro do mangá, no roteiro completo e nos objetivos de One Piece como mangá. Eu penso sobre isso pra caramba, como impliquei na introdução do texto, e não daria tempo pra escrever tudo. Faça seu caminho, é interessante. Aproveite e comente ali em baixo só pra eu saber se não sou louco.
O texto para por aqui. Talvez você não pare. Fica aí um gostinho pra mostrar que vale a pena. 3 minutos e 27 segundos de muito que eu falei, muito que eu não tive tempo de falar, e muito do melhor que pode ser dito sobre o assunto One Piece.
Gostei do texto Sr. Rauzi. Fez uma ótima referência ao senhor C.S.Lewis, um ótimo escritor infantil e em todas as suas obras de diferentes públicos demográficos. Ademais, One Piece não pode ser tratado exatamente como um anime infantil. O mundo, os sofrimentos, as histórias são algo muito completo, não dá pra analisar com superficialidade a obra do Sr. Oda. One Piece se foca muito no modo em que os personagens resolvem os problemas, de fazer o que quiser sem deixar de depender dos amigos. Até porque é assim que o mundo pirata funciona., onde você vai invariavelmente irá formar grupo com alguém, conviver e compartilhar sonhos. O problema é até quando o Luffy encará o mundo dessa forma, é claro mudando a forma de se comportar do Luffy mudaria totalmente o conceito dele, mas até quando ele irá se tocar de está num mundo realmente perigoso? Creio que essa saga, que envolve o Law(LIKE A SPOILER), o nosso acéfalo capitão irá lidar com o fato de uma possível traição.
Talvez estejamos usando “infantil” em sentidos diferentes. OP é uma história infantil, mas pelos motivos que o Lewis expôs: porque histórias infantis são o melhor modo de passar essa mensagem da infantilidade movendo o mundo. Não é uma mensagem boba ou imbecil, longe disso. É uma mensagem infantil. A diferença é grande.
E sim, também não dá pra analisar tudo. O que eu joguei é só o que eu acredito que seja a base ideológica de One Piece, a espinha dorsal de onde tudo é construído. Está longe da análise completa, mas (pelo menos eu acho) é o ponto mais necessário para qualquer análise completa. Tudo se constrói a partir disso, não tem como isolar OP desse conceito. O resto são ramificações. Complexas, importantes, até necessárias, mas o núcleo é esse.
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Bom texto rauzi. Você escreve bem. No caso, concordo, da pra perceber que eles tem “sonhos infantis”. Se esse é o melhor jeito de contar uma história, eu não sei, mas o texto ficou bom.
É porque tipo, eu acredito que qualquer história merece ser contada. O Oda decidiu contar uma história infantil, com esses temas aí, o que é perfeitamente válido. E o melhor jeito (que ele encontrou, pelo menos) de contar essa história (não se aplicaria para qualquer história) é esse. E é um ótimo jeito.
Desde que decidi analisar a obra e não apenas lê-la, este é o meu ponto de vista. Ela É uma obra infantil, mas passa longe de ser “pra crianças”. E o motivo é este mesmo que você soube perfeitamente como explicar.
O sonho de cada um ser simples e absurdo apenas faz com que o importante mesmo não seja o sonho em si, mas sim a trajetória até se conquistar eles. O sonho pra eles é importante? É, mas não a ponto deles precisarem ficar repetindo continuamente (tá, o Luffy a cada ilha que passa repete isso), ou tentar alcançá-lo o mais rápido possível (mas é aqui que ele se salva).
Bom ponto. Talvez o imenso sucesso de One Piece em adultos e velhos seja causado por isso: eles adoram ver uma obra motivando eles a serem mais crianças. É motivador, inspirador, principalmente para o pessoal que vezes desistiu de muita coisa durante a vida (olhando para a sociedade japonesa, isso parece ser muito comum).
E é, eles não precisam ficar martelando isso mesmo. Basta a idéia permanecer viva para sustentar a trajetória, mas a trajetória também sustenta o sonho (se fosse muito fácil de atingir, não seria um objetivo infantil)
Muito bom cara, você escreve muito bem, concordo com o seu ponto de vista, ele escreve para crianças, mais vai muito alem ele aborda muitos tema ate pesado como nesse arco que, o cc usa doces (drogas) nas crianças, e também que a serie tem 15 anos as crianças que acompanharam desdo inicio já ta adulto, atualmente.
escreva mais coisas interessante sobre one piece.
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a robin tem 30 anos e o brook tem 90 anos
e no texto ta falando que eles são crianças? looooool
deve ter dado trabalho @_@ , abraço fiquem com Deus!
Considerar o bando infantil e considerar a obra infantil são duas coisas muito diferentes. OP é um shonen, ok. Muitas crianças assitem OP, ok. Mas a obra de modo algum é infantil. Uma criança nunca entenderia OP por completo, quando essa criança reler a obra no futuro ela verá um mundo infinitamente maior e mais complexo do que ela via antes. O modo como muitos superiores tratam os subalternos, as diferenças sociais, o preconceito, a ganância, o governo opressor e corrupto que faz tudo para se manter no topo, os revolucionários lutando contra esse governo, entre tantas outras coisas que pode-se citar e que não seriam compreendidas por uma criança. Depois que a pessoa viveu ou assistiu à várias situações parecidas é que ela passa a percebê-las. Não tem como dizer que One Piece é infantil como Fairy Tail (que eu gosto, mas negar que a obra é infantil é impossível) onde o Natsu com a força da amizade bate no vilão malvado. Uma criança vai assistir OP vendo o Luffy ser o herói e batendo nos vilões, mas não vai ver algo tão ruim num leilão de escravos, num tenryuubito que se acha tão superior que não pode respirar o mesmo ar da ralé, na justiça cega do Sakazuki, eles serão simplesmente vilões. Mas o fato de que muitas crianças assistem OP me alegra, talvez os jovens do futuro tirem algum ensinamento de tudo isso 🙂
Com “infantil”, não quero dizer “crianças entendem tudo que se passa”. Tem muito mais a ver com o feeling geral de infância, feeling muito presente em One Piece: o bobo-alegre que é o Luffy, as aventuras emocionantes e esse tipo de coisa. Eu concordo que uma criança pode não pegar tudo, mas, pra ficar num exemplo perto do texto: uma criança pode não entender que Nárnia tem muitas características bíblicas, mas isso não muda o fato que Nárnia é uma história infantil. Novamente citando o Lewis, OP é infantil porque a mensagem de OP é melhor passada numa “história infantil” (como um conto de fadas ou um battle shonen) do que em qualquer outro lugar.
Novamente, isso não é um insulto. Eu adoro One Piece. Mas não adoro porque é uma obra madura e séria, não vejo isso na obra (toques disso, talvez, mas não mais). Eu adoro OP porque é uma obra divertida e infantil que tem muito o que dizer. Não quero colocar OP na categoria “ideológica” de coisas (adultas) como Solanin ou Planetes para ver mérito na obra. OP é bom por ser o que é: cheio de infância pura.
Velho, seu texto ficou muito bom, trouxe uma lente muito interessante sobre One Piece. O meu olhar sobre a obra é caracterizado como se fosse um espelho do mundo, as pessoas lutando pelos seus sonhos num mundo totalmente injusto, em todas as suas dimensões. Na minha opinião, essa visão mais complexa e profunda do mangá é complementar a sua visão. Um professor de física me falou que você só adquiriria de fato um conhecimento ou aprendizado, caso você conseguisse explicar o que aprendeu para uma criança de 7 anos. One Piece supera todos os mangás, no meu ponto de vista, porque o Oda consegue colocar boa parte das explicações no contexto da obra, driblou aqueles quadros escritos enormes (o que, em alguma altura do campeonato desestimularia uma criança/adolescente a continuar a lê-lo), assim podendo pensar pelo lado da tese. One Piece tem uma forma de elaboração de caráter infantil, mas nem de longe é uma obra sem complexidade ou que não retrate o mundo no qual vivemos (por mais que o Oda fale ao contrário).
Abração
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Nossa, nunca tinha pensado por esse lado. Realmente, adorei o texto. Por você escrever bem e por eu fazer parte das pessoas que você conseguiu convencer. Acho que foi uma das melhores interpretações de One Piece que eu já vi e que eu realmente encontrei motivos para levar a sério, pq olha… Faz todo o sentido. Legal que eu li no dia das crianças, anyway…
Eu ainda preciso de um tempo para digerir melhor essa ideia e poder falar/discutir algo mais concreto. Até pq, One Piece é longo e como eu nunca tinha parado para pensar assim, preciso ver em cada personagem o momento adequado para encaixar tais características. Aliás, uma coisa que eu espero abertamente e que pode se encaixar na sua “teoria”, é o passado do Do Flamingo. Vou tentar ver por esse ângulo quando ele aparecer.
Acho que esse comentário é mais, primeiramente, por sentir necessidade de comentar o quanto fiquei boquiaberta com o que você falou. DO TIPO: CARAMBA, COMO NÃO PENSEI NISSO? É TÃO… Tão verdade.
Vou passar a noite pensando nisso, pq olha…
Tá de parabéns, fez um post maneiraço e bem escrito.
Nem preciso dizer que surtei com o vídeo da Nami (mais uma vez) e agora vendo por outro ângulo.
Parabéns mesmo
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